Caranguejos ao por do sol

Ela passou o dia quieta.
Os primos e irmãos na maior farra, e ela ausente, meio cansada, triste. Filha, vai brincar, eu dizia. “Não quero.”


“Aproveita a o dia, o sol, a piscina, a companhia. Aproveita todo mundo! Depois a gente vai embora…” Insisto.


“Não quero mãe, para!” Sentada, de braços cruzados, rosto caído, olhos irritados, cansada da vida. Dou um suspiro fundo.


“Você brigou com alguém?” Não.
“Alguém te falou alguma coisa chata?” Não.
“ Você quer me contar alguma coisa?” NÃO (irritadiço)

Nove anos de idade. Me pergunto se são os hormônios. Se é a idade. Se é cansaço do feriado – afinal, estão dormindo tarde e acordando cedo.
Não sei onde dói. As vezes nem eles sabem.


Tenho vontade de confrontar. De dizer para ela parar de ser teimosa e ir curtir. “Olha que dia lindo. Olha o sol. Olha o mar! E você reclamando desse jeito, que vergonha!!”
Mas já tentei isso mais cedo – e foi um fiasco.

Então convido: “Filha, vamos lá na praia ver o pôr do sol? Só nos duas.”
Sei que colo de mãe é sagrado e cura até dor no coração. Mas como se dá colo para sua filha de nove anos que já não cabe no colo?
Tempo juntas.
“Não quero”, ela diz, cortante.


Respiro fundo.
“Vai ser legal! A gente vai até a beira da água, molha os pés, e volta”
Agora é a vez dela respirar fundo.
“Tá booom” ela cede, cada sílaba forçando seu caminho pra fora da boca. Um favor concedido a mim.

Descemos na areia, molhamos os pés. No começo ela segue distante, monossilábica. Mas em poucos minutos o mar parece que passa cola na gente. Caminhamos com os pés imersos e conversamos. De repente ela está rindo, entregue.


“MÃE, UM CARAMUJO ENTRANDO NA CONCHA, OLHA!” Exclama, empolgada. É caramujo o nome? Nem sei. Molusco? Entrega? Infância? Paz?


“Olha mãe UM CARANGUEJO DE VERDADE” sua euforia transborda. Corremos atrás do caranguejo, que se enterra na areia em segundos. Celebramos esse pequeno milagre, um presente da natureza.

Sua alegria não cabe em si.
Como o mar, ela flui.

O sol começa a desaparecer e a praia fica escura. É difícil enxergar. Mas seu sorriso ilumina tudo quando ela passa os braços em volta da minha cintura e diz, baixinho:

“Mamãe, eu te amo.”

Eu também, filha.

Eu também.

One thought on “Caranguejos ao por do sol

  1. Como fotos de verdade agora ????

    Ma nishtana ?

    De: Filhos em Quadrinhos Enviada em: sexta-feira, 4 de março de 2022 11:50 Para: mauricio@microdont.com.br Assunto: [New post] Caranguejos ao por do sol

    Debora posted: ” Ela passou o dia quieta. Os primos e irmãos na maior farra, e ela ausente, meio cansada, triste. Filha, vai brincar, eu dizia. “Não quero.” “Aproveita a o dia, o sol, a piscina, a companhia. Aproveita todo mundo! Depois a gente vai embora…” Insisto. “

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