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Dionísio da caixa do leite

Era hora do café da manhã. Minha filha mais velha e a menor tinham convidado amigas pra dormir, e os gêmeos já estavam no segundo cocô do dia. 

A pequena havia acabado de anunciar que precisava de uma camiseta branca de manga longa pra ir na escola hoje (por que elas vêm com esses pedidos 7h da manhã? Onde vou arrumar uma camiseta branca assim, do nada? Por que fazem isso com as mães?)

Eis que entre um preparar de sucrilhos-com-leite e outro, me deparo com Dionísio.

Dionísio. Um rosto vazio, sem história, sem passado ou futuro, estampado em preto e branco na caixa do leite. Visto pela última vez em 2010.

Essa é a única informação que temos de Dionísio. 2010.

Penso em tudo que vivi desde 2010. Nas viagens, nos trabalhos, nas histórias. Nas pessoas queridas que se foram. Histórias que se concluíram, histórias que se iniciaram.

E Dionísio desaparecido. 

As crianças me olham com uma interrogação no rosto. Querem uma explicação: como assim tem gente que some por 15 anos mamãe?

Pois é, mamãe também não sabe. As vezes acontece da pessoa sumir, respondo, meio aérea. Tentando tornar a situação o menos traumática possível. 

Talvez ele cansou da vida, se mudou pra Paris e casou com uma princesa. Talvez ele tenha perdido a memória e nunca mais voltou pra casa, igual naquele filme da Anastasia. 

Eu tento dar uma leveza pra situação. Afinal, não sei se isso é assunto de criança. Nem assunto de adulto é. E a verdade é que eu não estava preparada pra lidar com isso assim, a essa hora, em plena terça feira. 

“Ou alguém roubou ele”, diz alguém. 

“Ou alguém roubou ele”, respondo, meio no automático. “Mas você vai querer mais uma bisnaguinha com requeijão?”

Questionando meus problemas, minha visão de mundo, e tudo o que eu acredito, tento mudar de assunto, mas não dá mais. As crianças querem saber tudo dele.

À luz do Dionísio da caixa de leite, nada parece tão ruim assim. A décima fralda de cocô e a camiseta branca de manga longa as 7 da manhã são um bálsamo para o dia. Assim como os exames de sangue que preciso levar alguém fazer, o carro que quebrou, os gêmeos que não dormiram pela terceira noite seguida.

Não reclamo de mais nada.

Segue-se então uma discussão de tudo o que pode ter acontecido com o Dionísio da caixa de leite. Eu de repente me percebo mastigando uma bisnaguinha com requeijão que fiz pra alguém. Como veio parar na minha boca, não faço ideia, claramente um comer emocional. 

Dou mais uma mordida na bisnaguinha – eu tinha feito ela pra quem mesmo? 

Despois de esgotar o assunto, apresso todo mundo pra ir embora. Saímos da mesa do café e deixamos Dionísio pra trás, mas Dionísio segue comigo, o dia todo.

Já é noite e estou aqui, pensando no Dionísio. Até peguei a caixa de leite, pra ver se ele continuava la. 

Ele continua. 

Dionísio da caixa de leite, espero que você realmente tenha encontrado uma princesa e se mudado pra Paris. 

Espero que você esteja bem.

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A Porquinha Peppa

Já ouviram falar na Porquinha Peppa? É um desenho animado que passa no Discovery Kids sobre a vida de uma porquinha e a família dela. Cada episódio dura 5 minutos e é muito muito fofo.

Meu filho teve sua iniciação nesse desenho em uma das vezes que foi dormir na casa da avó (onde a TV é liberada 24hs/7dias), e me fez entrar no youtube atrás da tal da Peppa para assistir com ele. (Quem quiser ver, da uma olhadinha nos vídeos dela aqui)

Enfim. Agora podemos ir à história deste post.

Estávamos na fazendinha. Aliás, ir na fazendinha é um programa que a gente adora fazer aqui em casa. Meu filho fica enlouquecido com os animais, minha filha acha que está no mundo mágico dos auaus (como mencionei neste post) e todo mundo fica feliz!

Bom. Depois de tirar leite da vaca e andar a cavalo, paramos para ver o cercado dos porquinhos. Tinha um porco bem exibidinho, andando de um lado para o outro, e meu filho se debruçou encantado na grade para observá-lo.

Do nosso lado, tinha uma moça com um menino que devia ter uns dois aninhos. Ela estava explicando sobre a vida dos porcos para ele, toda animada.

porquinha

PEDRO: (Não responde nada, apenas fica olhando em transe para o porco, com a boca aberta, absorvendo as palavras da mãe)

MEU FILHO: (toda sua atenção é voltada para a tal da mãe, que está falando coisas interessantíssimas acerca do porco)

MOÇA: E o nome dela é Porquinha Peppa, sabia Pedro?

“Ah, pronto! Agora que meu filho vai ficar feliz”, eu pensei. Afinal, ele aaaaama a Peppa.

Mas sua reação foi bem diferente da que eu imaginei.

Em vez de sorrir e ficar contente, ele apontou acusadoramente o seu pequeno indicador para a mãe do Pedro e falou em alto e bom som:

PORQUINHA2

Assustada com a repentina fúria do pequeno menino loiro que há pouco escutava suas palavras tão atentamente, a moça ficou sem reação, olhando do meu filho para o porco, do porco para a plateia, procurando cadê a mãe desse moleque metido e mal educado. Ela estava claramente brava.

E eu, morrendo de vergonha, quis enfiar minha cabeça na terra e sumir.

Meio sem graça, puxei meu filho pela mão e saí com cara de tacho.

Depois expliquei para ele que quando alguém está conversando com o seu filho sobre uma coisa legal, a gente não pode entrar no meio da conversa. E se for entrar, é para falar coisas bonitas, e não feias.

Crianças de três anos e meio são realmente imprevisíveis.