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Dionísio da caixa do leite

Era hora do café da manhã. Minha filha mais velha e a menor tinham convidado amigas pra dormir, e os gêmeos já estavam no segundo cocô do dia. 

A pequena havia acabado de anunciar que precisava de uma camiseta branca de manga longa pra ir na escola hoje (por que elas vêm com esses pedidos 7h da manhã? Onde vou arrumar uma camiseta branca assim, do nada? Por que fazem isso com as mães?)

Eis que entre um preparar de sucrilhos-com-leite e outro, me deparo com Dionísio.

Dionísio. Um rosto vazio, sem história, sem passado ou futuro, estampado em preto e branco na caixa do leite. Visto pela última vez em 2010.

Essa é a única informação que temos de Dionísio. 2010.

Penso em tudo que vivi desde 2010. Nas viagens, nos trabalhos, nas histórias. Nas pessoas queridas que se foram. Histórias que se concluíram, histórias que se iniciaram.

E Dionísio desaparecido. 

As crianças me olham com uma interrogação no rosto. Querem uma explicação: como assim tem gente que some por 15 anos mamãe?

Pois é, mamãe também não sabe. As vezes acontece da pessoa sumir, respondo, meio aérea. Tentando tornar a situação o menos traumática possível. 

Talvez ele cansou da vida, se mudou pra Paris e casou com uma princesa. Talvez ele tenha perdido a memória e nunca mais voltou pra casa, igual naquele filme da Anastasia. 

Eu tento dar uma leveza pra situação. Afinal, não sei se isso é assunto de criança. Nem assunto de adulto é. E a verdade é que eu não estava preparada pra lidar com isso assim, a essa hora, em plena terça feira. 

“Ou alguém roubou ele”, diz alguém. 

“Ou alguém roubou ele”, respondo, meio no automático. “Mas você vai querer mais uma bisnaguinha com requeijão?”

Questionando meus problemas, minha visão de mundo, e tudo o que eu acredito, tento mudar de assunto, mas não dá mais. As crianças querem saber tudo dele.

À luz do Dionísio da caixa de leite, nada parece tão ruim assim. A décima fralda de cocô e a camiseta branca de manga longa as 7 da manhã são um bálsamo para o dia. Assim como os exames de sangue que preciso levar alguém fazer, o carro que quebrou, os gêmeos que não dormiram pela terceira noite seguida.

Não reclamo de mais nada.

Segue-se então uma discussão de tudo o que pode ter acontecido com o Dionísio da caixa de leite. Eu de repente me percebo mastigando uma bisnaguinha com requeijão que fiz pra alguém. Como veio parar na minha boca, não faço ideia, claramente um comer emocional. 

Dou mais uma mordida na bisnaguinha – eu tinha feito ela pra quem mesmo? 

Despois de esgotar o assunto, apresso todo mundo pra ir embora. Saímos da mesa do café e deixamos Dionísio pra trás, mas Dionísio segue comigo, o dia todo.

Já é noite e estou aqui, pensando no Dionísio. Até peguei a caixa de leite, pra ver se ele continuava la. 

Ele continua. 

Dionísio da caixa de leite, espero que você realmente tenha encontrado uma princesa e se mudado pra Paris. 

Espero que você esteja bem.

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Como é ter gêmeos?

Muito me perguntam sobre como é ser mãe de gêmeos. Dá muito trabalho? (dá) Você está bem? (tô!) Você está viva? (da última vez que verifiquei, estava!). É impressionante a quantidade de vezes que escuto essa última.

Tento responder com toda a verdade que cabe a mim, mas para ser honesta, até hoje não consegui encontrar as palavras certas pra descrever como eu tô. Cansada? Chocada? Encantada? Sobrecarregada? Hormonalmente desequilibrada?

Nada define com exatidão.

Difícil isso, porque se tem uma coisa que eu gosto é de me expressar – e me compreender – com clareza.

Hoje cedo, transitando pela casa entre as milhares de tarefas que me cabem, passei pelo meu banheiro e me deparei com algo inusitado.

Em cima da minha pia estava ela: minha escova de dentes, com a pasta devidamente colocada, só esperando pra ser usada.

Paro por alguns segundos em frente a tal cena, como se estivesse aterrissando de volta ao Planeta Terra. Eu já escovei os dentes hoje, não? Tenho certeza que sim. Mas então… Como foi que…

Ou ainda não?

Não sei. Não faço ideia.

Sou a própria Renata Sorrah naquele meme das fórmulas matemáticas voando. Na boa, perdi o controle da minha vida.

Como se não bastasse a escova de dentes misteriosa, outra incógnita: uma mensagem enviada pelo whatsapp.

Abri o meu Whatsapp e lá estava uma resposta a uma pessoa querida que eu não me recordava de ter dado. Data: ontem, 19h31. Olhei para a mensagem e me perguntei “fui eu que mandei isso? EU?” havia meus trejeitos emojigráficos, então com certeza fui eu. Às 19h31.

Devo me preocupar?

Será amnésia temporária um efeito colateral da maternidade gemelar? Será sequer temporária?? Não sei. Só sei que caos define. Perdi o fio da meada, a noção do dia, o controle da minha vida. Se a vida fosse um texto, eu seria um narrador não confiável.

Da próxima vez que me perguntarem como é ser mãe de gêmeos vou contar isso. E só por via das dúvidas, vou tirar uma foto de mim mesma escrevendo essas linhas. Sei lá, nunca se sabe.

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Uma ode ao elevador

Você já parou pra perceber quantas coisas acontecem dentro do elevador? Um cubículo tão pequeno, sem janela, praticamente um caixão de concreto onde ninguém passa mais do que, vai, dois minutos?


Meus filhos sempre acabam de se vestir no elevador. É um tênis que precisa amarrar, um casaco que precisa abotoar. Aliás, eu mesma as vezes acabo de me vestir no elevador.

O elevador também é um ótimo refúgio dos cafés da manhã mal terminados. Quem nunca entrou comendo uma torrada apressada, uma bolachinha, uma banana?

E os retoques de batom, as olhadas no espelho pra verificar a maquiagem, o look, o cabelo, a sobrancelha, as linhas de expressão…? O elevador é testemunha da eterna insegurança feminina. Aposto que, se pudesse, ele diria o quanto todas estão lindas.

Espectador de selfies discretas, tiradas no espelho, que vão logo em seguida para as redes sociais. “#Partiuacademia” “#Bomdia” “#domingou”.

Refúgio de algumas lágrimas seguradas, de bocejos cansados, de desabafos silenciosos, o elevador sabe mais sobre a gente do que muita gente.

E os vislumbres de histórias que ele vê? A moça que entra com roupa de festa as 6 da manhã. O menino que sobe cabisbaixo com mochila e roupa da escola. O rapaz que saiu esbaforido com lágrimas nos olhos. A senhorinha que entrou distraída no celular.
E por falar em celular… e as conversas de telefone entrecortadas, interrompidas, sem contexto?

“Mas João Carlos, nós já falamos sobre isso tantas vezes…”
“Eu não sei o que te dizer, Guilherme…”
“Você sabe muito bem o que você fez!!”
Se eu fosse um elevador eu morria de curiosidade. Eles nunca sabem como as histórias terminam.


Enquanto isso, nós, sempre reclamantes, temos apenas coisas negativas a dizer sobre eles:
Como demoram!
Como são apertados.
Quebrou, DE NOVO.
E o termo “conversa de elevador”? Mais pejorativo, impossível


O elevador é um eterno observante. Do tempo que passa, das crianças que crescem, da vida que segue, e da intimidade de cada um de nós.

Pensa nisso na próxima vez que entrar em um 🙂

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O que o seu carro diz sobre você?

Eis que o carro quebrou. Foi assim, uma bela manhã:

“Mãe, que barulho é esse?”

“Não sei.. estranho né?”

Entramos no carro e… parece que estamos nas cataratas do iguaçu. Há um suave som de água jorrando, mas é só o som mesmo. Não consigo localizar a água.

Confesso que é um som relaxante (principalmente se você considerar a zona de guerra que é meu carro – spotify a todo volume, crianças conversando entre si, um brigando com o outro por espaço e atenção. (Regra universal sobre filhos: todos querem ser ouvidos, ao mesmo tempo, o tempo todo.)

Após um exame apressado, percebo que o tapete do carona está simplesmente encharcado.

Solução? Sentar e chorar ligar para o mecânico, o Eduardo, que sempre salva o rolê.

“Xii.. melhor trazer aqui..” Eduardo diz, preocupado.

Levo o carro no dia seguinte. Nos despedimos dele como se fosse um membro querido da família embarcando numa longa jornada.

Mais tarde, Eduardo me manda um áudio

(adoro pessoas que usam o whatsapp em vez de ligar. Você não? Gente do século XXI!)

Ele me explica o plano de ação. Acato – afinal, não entendo nada de carro. Se ele disser que vai precisar revestir o carro de rosa pink, eu acredito.

Todos os dias ele manda vídeos com as notícias. As crianças ficam em êxtase a cada vídeo. A remoção do porta luvas, UAU! A remoção do painel! A remoção do banco, IRADO! (De fato, há uma piscina embaixo dos bancos. Socorro!!.)

O mais… “inesperado” de tudo, são as coisas que ele encontra lá dentro… Pente de cabelo de Barbie, cartelas de adesivos, e – juro – um grão de milho que brotou. Nem lembro quem comeu milho lá, nem quando… só sei que, do nada, Eduardo me manda:

Realmente, não tem condição. Não sei nem o que responder pra ele. Só sei que o meu carro criou todo um ecossistema próprio!! Fala sério.

“Ah, é coisa das crianças, he-he” digo fingindo normalidade.

Em todo caso, alguns dias depois, o carro retorna ao lar, e é recebido como se fosse um familiar que acaba de voltar da guerra. Que emoção!

As crianças entram alvoroçadas, como se fosse a primeira vez – e de certa forma, é. Afinal, conhecemos partes muito íntimas do carro, até então desco-nhecidas. Muitos de seus segredos foram revelados.

No banco do carona, uma sacola preta. “Com todos os pertences que estavam no veículo” disse Eduardo. Agradeci, já morrendo de vergonha por antecipação, afinal, depois do milho, eu já não sei mais o que esperar.

“Filha, abre aí a sacola” peço, as mãos no volante, já saindo da garagem rumo à escola.

A sacola

Ela começa a rir enquanto anuncia os achados:

Meia barra de chocolate, um pacote de balas.

Um advil vencido

Uma pomada de corticoide que meses atrás eu precisava passar no pé do Simon 3x por dia

Dezenas de elásticos e prendedores de cabelo

”Meu óculos da American Girl!!” comemora a pe-quena, que estava atrás dele há tempos.

Bilhetes de escola (que eram pra ser assinados em novembro de 2022 (não me julguem)

kit de mini alcool em gel e mini protetor solar

1 óculos escuros meu que sumiu há tempos

Um leque (??). Uma tesoura de cozinha (???)

Uma meia preta. (A outra? Só Deus mesmo.)

Um celular velhinho (aqueles da nokia com jogo da cobrinha.) Estávamos procurando há meses.

duas caixas de papel yes pela metade

lápis de cor aleatórios

A cada item que ela tira da sacola os irmãos morrem de rir, tentando lembrar da ocasião do esquecimento. Não sei se choro ou rio junto, só consigo imaginar o pobre do Eduardo juntando a bagunça do meu carro. Socorro.

Sou um caso perdido? Deixo as crianças na escola e eles saem do carro ainda às gargalhadas.

Mais tade, já sozinha, vasculho os objetos na sacola.

De fato, são muitos. E completamente aleatórios. Tenho amigas que teriam um troço só de olhar… E sem dúvida levei o prêmio Mico do Ano da oficina! Apesar disso, é preciso reconhecer: sozinhos eles de fato são desconexos, mas juntos.. juntos eles contam um pouco sobre a nossa história.

Caótica, desorganizada, meio dramática. Mas sem dúvida, 100%… nossa. E isso é mágico 🙂

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(Abaixo deixo o vídeo do Eduardo. O tal do milho que brotou)

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Coisas normais no puerpério*

*período mega conturbado pós o parto até a mulher se adaptar ao bebê e se encontrar nesse novo papel de mãe. #bemfácil

1. Chorar. De dor, de cansaço, de fome, de medo de culpa.

2. Sentir saudades da vida de antes, quando você dormia, comia e tomava banho tranquila

3. Sentir culpa por sentir saudade da vida de antes.

4. Chorar de emoção e amor e alegria e gratidão ao olhar para o bebê

5. Chorar de desespero ao olhar para o bebê (5 minutos depois).

Sentir culpa por sentir desespero.

6. Se olhar no espelho e não se reconhecer

(chorar por isso também)

7. Precisar desesperadamente de tempo para si (pra tomar banho, dormir, ler, tomar um café, comer uma refeição em paz… em suma, pra existir)

8. Sentir culpa por precisar desesperadamente de um tempo pra si

9. Sentir dor. Nas costas, no braço, no peito, nos pontos, na barriga.

10. Questionar a sua sanidade mental. (Sim, você está um pouco doidinha mesmo, e tá tudo certo.)

11. Achar que isso nunca mais vai acabar e que sua vida agora é assim para todo o sempre.

(Mas vai. E, prometo, você vai até sentir falta de algumas partes…)

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O que uma aula de hidroginástica pode te ensinar sobre a vida

Sempre fui uma pessoa adepta às atividades físicas. Nada de muito agressivo – desculpa aí turma do cross fit, isso não é comigo. Mas curto uma aula de bicicleta, uma musculação básica, uma yoga… e minha maior paixão: o balé. 

Eis que, com a minha nova forma física (olá barriga de grávida de 32 semanas), meu médico mandou testar uma modalidade nova: a hidroginástica. Torci o nariz. Hidroginástica? Não é tipo… voltada para idosos? Em minha mente logo surgiu uma piscina cheia de pessoas beem mais velhas que eu. Isso se chama preconceito? Talvez. Não me orgulho disso, mas a priori fui, sim, meio preconceituosa. Não faça isso, não é legal. 

Bom… fazer o que? A dor nas costas é real, o peso da barriga é real, o cansaço é real. E qualquer grávida que já entrou numa piscina sabe: nada é mais gostoso do que sentir o corpo leve e solto como a gente sente dentro da água. 

Pois bem, vesti o chapéu da humildade e me inscrevi na tal aula. Cheguei no primeiro dia, eu com minha barriga, minhas dores nas costas, e minha relutância. A novata da turma, meio atrasada, tooda tímida. Entrei na piscina, vesti aquela touca de banho suuuper sensual, e… fui recebida cheia de sorrisos e boas vindas pelas minhas novas colegas de turma.

Senti o peso da consciência me atingindo como um piano de cauda que cai num personagem de desenho animado. Preciso dizer: fui desarmada nos primeiros 20 segundos de aula. 

Porque são 40 mulheres – e alguns homens – todo mundo de touca (super sexy), se movendo desajeitadamente com seus espaguetes. Sim, a cena é um pouco cômica para quem vê de fora. Mas lá dentro… ah, lá dentro… a gente se sente atletas profissionais prontas pra escalar o Everest. Nós somos tudo o que a gente quiser. Por quê? Porque logo no primeiro dia eu percebi: estar ali dentro é uma conquista.

Imagina, faça chuva faça sol, você sai de casa, veste um maiô e uma touca (super sexy), levando uma bolsa com toalha, troca de roupa, nécessaire, e uma vontade gigante de fazer dar certo. Entra na água, faz a aula, sai da água, se troca inteiro pra ir embora. 

Ficou com preguiça? Pois imagine fazer isso com 80, 90 anos. Há algo muito forte nisso. Se sem esperança você não sai da cama, com esperança você chega até a piscina da hidroginástica. 

No meio de São Paulo, enquanto lá fora o trânsito está o inferno de todo dia e pessoas correm de um lado para o outro atrás do sucesso, de subir na carreira, de fechar mais um contrato, enquanto o caos da vida urbana acontece, na piscina aquecida da academia há um grupinho de distintas senhoras vaidosas, sempre de brinco e maquiagem, estão ali completamente alheias a tudo isso, literalmente no melhor joire de vivre que a vida pode oferecer, ao som máximo de Lulu Santos, Skank, Elvis Presley e Madonna. Aliás, a trilha sonora é um show à parte.

Mas não se engane, nem tudo são flores. Minhas estimadas colegas de piscina carregam um mundo inteiro dentro de si – suas histórias, suas perdas, suas dores, seus amores… 

Seus olhos são repletos de coragem mas também de passados densos e de coisas não ditas. E mesmo assim, elas vêm. Se isso não é força, eu não sei o que é. 

Toda segunda, quarta e sexta às 9h, a coragem e o poder de superação imperam, e elas tem um encontro marcado com a leveza: da piscina, da aula, e de seus corações abertos para novos desafios.

Conforme os dias passam, começo a orgulhosamente fazer parte da turminha. Dona Vera. Dona Alegria, Dona Nena – que toda aula parece esquecer que estou grávida e diz “querida, parabéns! Já sabe o que é?” Toda aula eu sorrio e lhe digo. Na aula seguinte ela esquece e pergunta de novo 🙂

Dona Antônia, Dona Sandra, Dona Eli, Dona Regina – que chega todos os dias graciosamente atrasada, rebolando os quadris e desfilando seu novo modelito de maiô como uma modelo da Victoria Secret, enquanto recebe assovios efusivos das amigas e professores.

Dona Lilian, Dona Neusa, dona Odete, que vai ter que realizar uma cirurgia no quadril e está pensando se aproveita e já faz uma lipo. “Sabe, pra ficar mais esbelta”, diz ela. Ela faz as sobrancelhas todo ano. 

Dona Aurélia, que tem artrose e as vezes sente dor mesmo na água. Ela já tentou fisio, mas não ajudou. Tá pensando em cirurgia. 

Dona Malka que toda semana conta orgulhosa uma simpática anedota dos filhos crescidos. 

O que elas têm em comum?

Um senso de humor invejável e uma contagiante alegria de viver. Diferente dos outros andares da academia, ninguém ali tá preocupado em estar com os abdominais em dia, nem se a celulite está aparecendo, ou se a pele está flácida. A vibe ali é outra: saúde, diversão e muita, muita risada.

É assoviar para o “professor bonitão” que está lá na frente incansável, mostrando como fazer os exercícios. É mais conversar do que fazer o exercício propriamente dito – para o horror do professor. Ele sabe disso. Gentilmente puxa a orelha das mais conversadeiras (com muita cara de pau, preciso confessar que acabei me tornando uma delas. Fazer o quê? É mais forte do que eu. Elas tem um papo irresistível.) A diversão ali é um valor inegociável. 

A maioria de minhas novas amigas não entra na água usando a escada normal – elas usam a cadeira de acessibilidade, sabe? Quando estão ali na cadeira, elas são as próprias estrelas de hollywood em ascensão, sendo aplaudidas e reverenciadas pelas amigas. 

Quando vai chegando o fim da aula, o pessoal da natação começa a se posicionar nos seus devidos lugares, prontos para pular e nadar os seus 2-3-10 mil metros. Do alto de sua juventude forte e desafiadora, eles observam nossa turminha desajeitada com o mesmo olhar de pré-julgamento que eu provavelmente olhava, um tempo atrás. E eu só penso: ah, se vocês viessem fazer uma aula conosco… 

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Funções de mãe

Ah, mães. Somos tantas coisas. Enfermeiras, motoristas, psicólogas, administradoras, conselheiras, professoras, fadas do dente (meu favorito!), gerenciadoras de crise, chefs de cozinha…

De todas as nossas maternas funções há uma que me assombra com o nível de sua responsabilidade. É uma função sutil, quase inconsciente, mas que está ativa o tempo todo: intérprete de realidade.

Basicamente, a tarefa (nada básica) de explicar o mundo para eles, de ensiná-los a olhar para a realidade, compreendê-la e saber reagir a ela através das ferramentas que lhes damos. Fácil né?

Interpretamos o mundo para eles desde que são bebês. Por exemplo: Um bebê que, começando a andar, tropeça e cai, antes de chorar, olha para a mãe em busca de amparo. Nesse olhar, a pergunta invisível: O que acaba de acontecer? Devo chorar? Deixo passar? Desisto de tentar andar? COMO reagir?

Somos o filtro. O espelho. Através de nossas próprias reações, dizemos a eles a todo momento: você é indefeso. Ou você é capaz. Você é importante. Você dá conta. Ou não…

Pintamos mundos cor de rosa, pontuados por bondade e gratidão. Ou mundos assombrados pelo medo e insegurança. Mundos ressentidos, mundos cheios de dor, mundos acolhedores, fáceis, difíceis. Mundos otimistas, mundos pessimistas. Mundos calorosos ou cinzentos. Pintamos mundos que são uma miscelânea de tudo isso – como a vida.

E, de interpretação em interpretação, os ensinamos a pescar. Eles criam um repertório próprio e começam a interpretar sozinhos. No longo caminho da vida, encontram novos intérpretes: professores, amigos, influenciadores, ídolos. Mas a interpretação da mãe… ah, essa é única. É a primeira, a marcada a ferro e fogo, imune a mudança do tempo ou das estações. Ela fica até o fim – ou até a terapia na vida adulta começar a fazer efeito 🙂

Talvez a interpretação da mãe tenha uma validade eterna. Até hoje, de vez em quando me pego ligando para minha mãe para perguntar o que ela acha de certa situação. Ou o que faria. Nem sempre a escuto, confesso. Mas muitas vezes quero saber.

Nessa semana das mães desejo que possamos pintar mundos belos, reais e cheios de possibilidades para os nossos filhos. Mundos honestos: complexos, antagônicos, às vezes doloridos, mas cheios de amor e esperança. Para que saibam que darão conta, sim. E principalmente, para que saibam que estaremos sempre aqui, prontas, nesse lugar familiar de acolhimento incondicional e paz.

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Frescobol

Nesse fim de semana decidi aceitar um convite pra jogar frescobol na praia – depois de meses (ou seriam anos??) sem jogar. Eu com minha filha de dez anos – duas Gustavo Kuerten, como vocês podem imaginar. Pra quem não sabe, estou grávida. De sete meses. (Pois é! Mas isso é história pra outro post). Então, de fato, faz um BOM tempo que não me aventuro nesses esportes radicais. 

Ultimamente, estou tão preguiçosa que quando eles me pedem pra brincar de alguma coisa, eu me desvencilho do pedido, em geral com a máxima:

(Dica: esse tipo de resposta não surte o efeito desejado. Não é porque você a lembrou de que ela tem irmãos que ela vai dizer “Nossa, verdade, esqueci! Que bom que você me lembrou, vou lá então brincar com ele”. Pode até dar certo uma ou duas vezes, mas seu uso excessivo, como tudo na vida, desgasta.) 

Por fim, não sei se movida pela culpa ou pela saudade de jogar frescobol (o que, na boa, levando em conta minha atual forma física, duvido muito. Desculpe ao esquadrão anti-culpa de plantão, mas hoje vou ter que ficar com a culpa mesmo) aceitei o convite.

Em troca, ela me olha com os olhos arregalados de surpresa e a indagação: 

ELA: VAI MESMO? 

EU: vou, ué. Eu sou muuuito boa nesse jogo. 

ELA (com sorriso de orelha a orelha – o que dói um pouco… é tão fácil fazer eles felizes): Eu também!! 

(Na real: nem eu nem ela somos muito boas nisso. Mas quem se importa?)

Algumas coisas que aprendi nesse jogo: 

1- Dá pra saber muito sobre uma pessoa pelo modo como ela joga. Se ela é competitiva, se age como se estivesse indo pra guerra, se ela é doce, se é empática, se está mais preocupada em fazer o jogo ser legal do que em efetivamente vencer.

2- Nosso máximo de pontuação sem deixar a bola rolar a esmo praia afora foi 20. VINTE. Com dificuldade.

3- Mais da metade do nosso jogo consistia em sair correndo loucamente atrás da bolinha antes de acertar algum banhista desavisado ou se perder na imensidão do mar azul. 

4- Enquanto uma dupla normal jogando frescobol ocupa apenas um perímetro horizontal na praia, a nossa bolinha insistia em fazer os mais criativos e rebuscados caminhos. Então nosso perímetro de jogo era algo assim: 

5- Isso fazia com que os passantes ficassem com medo de passar perto de nós. 

6-  Tudo bem fazer coisas em que a gente é muito ruim. No máximo, serão momentos conexão, queima de calorias e risadas. E quem não precisa disso na vida? 

(Em tempo: todos os banhistas sobreviveram.)

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Óleos Essenciais?

Faz já um tempo que ouço o pessoal falar dos óleos essenciais. Que te dão energia, te ajudam a relaxar, a ter uma vida incrível. Que maravilha! Um milagre embalado num frasquinho de 10 ml. Parece coisa de outro mundo. A resposta para todo os meus problemas está nos óleos essenciais, claramente.

Eis que outra tarde no shopping, passo por um quiosque desses que ficam no meio do corredor. Ele é uma verdadeira visão de paz e equilíbrio em meio as lojas hiper iluminadas e estimulantes. Um canto tranquilo, com vapores saindo e luzes calmantes. O cheirinho que exala é tão delicado, e a vendedora tem a cara de plenitude. Sabe, aquele brilho no olhar, aquelas feições radiantes, um cabelo brilhante?

Me sinto um caco só de olhar pra ela. Ela com certeza sabe de algo que eu não sei.

“Olha, o de lavanda faz muito sucesso… e tem vários benefícios. Cicatriza, desinfeta, acalma, ajuda a dormir…”

Opa. Tô super precisando dormir melhor. Não amo lavanda, mas também não odeio. Vamos de lavanda. 

Paguei o tal do óleo e saí do shopping plena, com minha sacola zen prometendo a melhor noite de sono que eu teria em anos / desde que me tornei mãe. Só de comprá-lo eu já me sinto mais calma e animada pra hora de dormir. 

À noite, depois do jantar, do banho, da escovação de dentes e toda a rotina noturna (onde eles ainda insistem em perguntar, TODO SANTO DIA, se hoje precisam tomar banho, se hoje precisam escovar os dentes. É como se a pergunta fizesse parte da rotina), eu anuncio:

As meninas estão curiosas, Simon me olha com aquele tom de quem não põe muita fé, como quem diz “O que será que minha mãe, dinossaura, pré histórica, inventou agora?” 

(Se tivesse um museu sobre maternidade, essa seria a frase).

Plena, tiro da minha sacolinha o óleo de lavanda como se ele fosse um troféu. “TCHANAN!!!”

“O que é isso?” Stella pergunta. 

Faço a minha melhor voz de pessoa-madura-que-sabe-da-vida: 

Stella é a primeira a estender o pulso. Adora experimentar coisas novas, principalmente se for um cosmético cheirosinho. 

Lea vem em seguida.

Simon segue me olhando desconfiado. Por fim, consigo convencê-lo de que não é magia negra (!) e ele topa usar. 

“Pronto, agora esfrega um pulso no outro e deixa fazer efeito” 

É uma farra, as duas cheiram o pulso, mostram pro pai, deitam na cama super animadas. Tô positiva de que vai ser a melhor invenção que eu já trouxe pra casa. 

(Tá, na verdade eu não sei se vai funcionar 100%, mas só pela farra e pela experiência sensorial terapêutica, já tá valendo)

Mais tarde, Simon fica me zoando:

Haha. Muito engraçado.

Reviro os olhos e explico que vai melhorar a qualidade do sono dele, que não é uma poção mágica que funciona na hora. Eventualmente ele também vai pra cama e dorme o doce sono dos justos. 

Eu vou me deitar pensativa… Não entendo muito sobre óleos essenciais e seu poder de cura. Talvez seja o óleo misturado com a vontade de fazer dar certo. Talvez o essencial primordial seja acreditar. Porque quem acredita carrega uma dose de leveza no coração (e cá entre nós… quem não precisa de uma dose de leveza no coração?)

Talvez essa seja uma das verdadeiras forças do óleo essencial: ter esperança. Esperança de uma boa noite de sono. Esperança de que existem pequenos milagres embalados em vidrinhos com tampas coloridas. Esperança de ter fé. E esperança de unir as crianças num banheiro apertado no final de um dia corrido, todos torcendo para que a compra inusitada da mamãe dê certo. 

As vezes, tudo o que a gente precisa é mesmo do essencial 🙂

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Levando na escola. Ou: as despedidas de todo dia

É uma verdade universalmente conhecida que a gente cria o filho para o mundo. Célebre frase, provavelmente dita para uma mãe aos prantos testemunhando o filho sair das fraldas, aprender a andar, ou pedir pra não ganhar beijo na porta da escola. 

Pois é. Sabe aqueles pacotinhos de 3 kg que você carregou com tanto amor? Breaking news: eles vão embora. Não são são nossos. Não… São do mundo. Da vida. Do universo. 

São deles mesmos. 

Toda mãe sabe disso, claro. As vezes a gente esquece, mas aí a vida manda um gatilho pra lembrar. Em algum momento ele diz que quer ficar um pouco sozinho (lembra quando tudo o que você queria era que ele ficasse brincando sozinho pra você poder fazer suas coisas?) Ou ele diz que não vai jantar em casa porque tem pizzada com os amigos. Ou ela aprende a ir ao banheiro sozinha – se limpar, lavar a mão E dar descarga. Pode ficar orgulhosa, mamãe!

Pois bem.

Outro dia estava deixando os três na escola e percebi a gritante diferença com que eles me dizem tchau.

Vamos lá:

Simon, de 13 anos:

A primeira vez que ele pediu isso, doeu. Hoje já está mais calejado. Aliás, virou rotina. Diz ele que é para “eu não precisar dar a volta” e para “ele chegar mais rápido”. Tudo bem então. Faz parte. Respeito a fase em que ele está.

(Mas não se engane – eu não deixo de abrir a janela e dizer alto: BOA AULA FILHOO – mãe mico tá on PRA SEMPRE)

Stella, de 10 anos:

Ela faz uma cara séria, de quem acabou de sair de uma reunião de negócios, e diz um solene “tchau” enquanto sai do carro. 

Ninguém diz que estávamos cantando e dançando POP HITS 2023, enquanto comemos sucrilhos e falando besteira. Ela sai apressada, como se vivesse ocupada demais.

Por fim, a pequena. Lea, de 6 anos. Ah, que coisa boa que é uma criança de seis anos :))

Devagarzinho ela sai do carro, pega a mochila de rodinhas (que tem praticamente o tamanho dela – mas ela ama, fazer o quê) e grita, lá de fora, em alto e bom som, na frente de todas as amigas, mães, e seguranças da escola:

Derretida, abro a janela e grito de volta, é claro. Uma despedida digna de filme, como se eu estivesse para iniciar uma expedição para a lua, ou uma viagem de volta ao mundo.

E isso acontece todo. Santo. Dia.

Quando saio, o coração aperta. Sei que não vai durar pra sempre. Já sei como funcionam as coisas. Logo logo acaba. Num piscar de olhos, num virar de esquina, numa manhã chuvosa e desavisada…

Que seja eterno enquanto dure 🤍