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Cadeira de rodas

Há pouco mais de um mês atrás eu tive que passar por uma cirurgia. Caí e me machuquei feio. Eu sei, bobeei. Acontece nas melhores famílias! No início tentei salvar a coisa com fisioterapia, medicamento e repouso, mas como nada deu certo, tivemos que ir pra faca.

Tudo bem, lá vamos nós. Uma cirurgia minimamente invasiva no quadril.

MÉDICO: “Você dorme, e aí a gente vai só vai entrar aqui pela perna esquerda, fazer uns furinhos, você não vai nem sentir. Sairá do hospital no dia seguinte, fica umas semanas sem encostar o pé no chão. É tranquilo! Coisa simples”

Ah, tudo bem! Do jeito que eles falam parece que será realmente um passeio no campo. E preciso dizer que, a princípio, foi. Você já tomou anestesia geral? Deve ser essa a sensação do verdadeiro sono dos justos. Há anos não durmo tão bem! Um sono delicioso, pesado, nutritivo. Acordei plena e relaxada como nunca.

Bom, corta para o dia seguinte da operação. Como eu estou?

Chego em casa e tenho três crianças olhando para mim. A primeira coisa que noto é que eu estou literalmente na altura deles.

Sim, sou eu. Estou medicada até o último fio de cabelo (para não sentir dor) e a perna esquerda eu simplesmente não sinto. É como se ela fosse apenas um peso atrelado ao meu corpo. Mas, tudo certo, segundo o médico “tudo de acordo com figurino! Segue o baile”.

Então… sigamos o baile.

Os primeiros dias foram realmente de apreensão e cuidado. Estou cheia de pontos, com dor e esgotada. Minha filha de oito anos super cuidadosa faz ovos mexidos e me traz na cama (dois ovos, queijo ralado e parmesão. Salpicado com cebolinha por cima se quiser dar um gostinho!). Minha pequena com toda a delicadeza que lhe cabe traz os livrinhos da Silvana Rando e Histórias do Teddy para lermos juntas na minha cama.

O que fazemos repetidas e repetidas vezes !

Em quatro dias após cirurgia já havíamos nos adaptado a essa “nova realidade” da mamãe de cadeira de rodas (que perdurou por um mês). Meu filho de dez anos tornou-se meu motorista particular pela casa, me levando por todo os cantos.

Digamos que se isso fosse vida real, ele teria perdido a carta no primeiro dia.

Graças aos céus não tivemos nenhum acidente de percurso significativo – a não ser com os batentes das minhas portas e os rodapés da casa, que nunca mais serão os mesmos.

A fase da cadeira de rodas passou, depois veio a do andador – que não foi tão bem recebida assim, afinal, a cadeira de rodas era muitoooo mais legal! Agora estou fazendo fisioterapia e “reaprendendo” a andar. As crianças dizem que eu deveria pedir dicas para a minha sobrinha de dois anos, afinal:

Acho natural. Quem sabe não dou uma ligada para ela?

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Brincadeiras a parte, porque é isso que eu procuro fazer aqui – encontrar leveza onde for possível – gostaria de fazer um adendo importante. Vivi por um mês essa sensação de não poder andar, de não ter liberdade e independência para fazer as coisas. De usar uma cadeira de rodas para conseguir me locomover minimamente pela minha própria casa – porque fora de casa, só consegui sair com ajuda.

Nunca achei que sentiria tanta falta de poder sair na rua sozinha para comprar um chiclete. Ou, que seja, coisas tão ordinárias quanto conseguir pegar uma encomenda no elevador ou simplesmente vestir uma meia sem ajuda.

Valorizemos as pequenas conquistas de todo dia. 

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Sobre perdas e lutos

Se tem um programa que eu amo fazer com as crianças é ir à livraria. Além de ser perto de casa e”kid-friendly”, a diversidade de olhares que existe lá dentro é incrível! Cada livro traz uma história, uma perspectiva diferente sobre o mundo, e eu adoro poder mostrar isso para as crianças.

Então, depois da livraria aqui perto de casa passar seis meses fechada para reforma, ficamos eufóricos quando ela reabriu há algumas semanas. E, é claro, para comemorar a sua volta, combinei que cada um poderia escolher um livro.

Chegamos, empolgados, já cumprimentando Susana, a gentil e simpática vendedora da área infantil que conheço há anos.

Então minha filha responde, solenemente:

“Sério?” pergunta Susana, confusa.

“É. Mas um bebê morreu na barriga da minha mãe, e aí ele não conseguiu nascer, e aí ficou ‘só’ três”.

(Detalhe no ‘‘ três.)

A vendedora olha para mim não sabendo o que responder. Dou um sorriso e digo que isso aconteceu faz tempo, e que não sei o que aconteceu que minha filha está adorando falar desse assunto agora, mas que está tudo bem, não se preocupe. Susana sorri, e seguimos batendo papo.

E então me lembro que, algumas semanas atrás, meu filho veio me perguntar se eu tinha um bebê “que não nasceu”.

Respondi que sim, meio pega de surpresa, até porque nunca comentei com ele do ocorrido. Ele deve ter ouvido eu falar sobre isso com alguém. Expliquei que às vezes as coisas dentro da barriga da mãe não se desenrolam muito bem e aí o bebê pode acabar não nascendo.

Ele escutou, processou a ideia e, sem mais perguntas, se afastou. Então, imagino que ele deve ter corrido contar para a irmã de seis anos, porque alguns minutos depois foi ela quem me apareceu com perguntas. Ela, diferente do irmão, estava completamente obcecada pelo assunto:

Conforme ela ia perguntando, eu respondia. Me pareceu importante dar abertura para ela poder elaborar a ideia, mesmo sendo uma história dolorida. E eis que, poucos minutos depois, ela de fato cansou do assunto e seguiu a vida.

Irmãos mais velhos são sujeitinhos fofoqueiros, não são? Acabo me lembrando de quando eu era pequena e descobri como os bebês são feitos. Segundos depois, fui correndo contar tu-di-nho para a minha irmã dois anos mais nova (que, diga-se de passagem, lidou com a ideia com muito mais classe e maturidade do que eu, que estava absolutamente chocada)

Enfim. Chamo as crianças para ver as novas edições dos livros do Monteiro Lobato. Lemos meia dúzia de histórias. Conversamos mais um pouco com a Susana. Corremos de um lado para o outro querendo absorver cada novo canto da livraria.

E então – em meio à vários: não, não pode dois. O combinado foi um livro só, lembra? A Susana pode separar para a próxima vez. Só um pra cada um, meu povo, só um, já falei… – finalmente, escolhemos um livro para cada e vamos para casa.

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Tem um bebê em casa

Chegar em casa com a bebê foi um acontecimento muito esperado nessa casa. Bom, lógico, depois de quase quatro anos e meio sem bebê em casa, chegar com ela foi quem nem trazer um ET pra casa. Ou um saco cheio de pirulitos.

Ou uma tarântula.

Sempre me disseram que os mais velhos sofrem com ciúmes, então eu cheguei do hospital super preparada para fazer com que eles se sentissem o mais felizes possível com a nova moradora da casa. Primeiro, entreguei os famosos “presentes que a bebê trouxe” (da onde eles acham que vem esse presente? Do além? Do útero? Que depois de sair um bebê, sai de mim um carrinho de controle remoto e um kit de instrumentos da Peppa Pig? Deixarei essa dúvida no ar porque prefiro não entrar no mérito da questão com as crianças. Uma coisa leva a outra, e não quero que eles me façam MAIS perguntas…)

Aliás, não foi isso o que eles pediram de presente pra quando a bebê nascesse. Quer dizer, foi, mas conforme a gravidez foi progredindo eles foram mudando de ideia a cada mês. No fim minha filha pediu um carrinho de boneca (imaginem ISSO saindo do meu útero) e meu filho – meu pequeno mercenário, vê se pode… – leia mais sobre o tema neste post- pediu 50 R$ (o que pelo menos, pensando por outro lado, é beeem mais fácil de parir né?)

Enfim. Entreguei os presentes. E também algumas balas e pirulitos (como se eu estivesse pedindo desculpa por estar fazendo isso com eles. Tipo: “Filhos agora vocês vão ter que me dividir com uma terceira pessoa… por isso, toma aí uns presentes e doces pra ver se dá uma compensada, e se eu me sinto menos culpada)

Naquele momento funcionou, porque eles ficaram super contentes e excitados. Já minha culpa… Esta me acompanha até hoje, firme e forte. Já virou amiga íntima.

Sentei os dois no sofá de casa e deixei cada um segurar a bebê um pouco. Com todo cuidado do mundo (e rezando por dentro) depositei a pequena trouxinha rosa nos braços deles. Primeiro do meu filho. Depois, nos da minha filha.

Os dois se sentiram grandes e importantes.

FILHA: Posso brincar com ela no meu carrinho de boneca novo????

Por razões óbvias, não permiti. Delicada e gentilmente, afirmei que ela ainda era muito pequena pra brincar no carrinho de boneca. Então eles decidiram que seria uma boa ideia pegar todos os brinquedos de quando eles eram bebês e ficar chacoalhando na cabeça da recém nascida.

Porque com brinquedo de bebê ela pode brincar né?

Só digo uma palavra sobre aquele momento: socorro!!!

Tivemos muitos momentos SOCORRO desde então..

Coitada.

Mas tá dando tudo certo. E o pior é que ela gosta dessa bagunça frenética, é apaixonada pelos irmãos. De vez em quando ela chora porque eles exageram, mas pouco a pouco eles foram aprendendo a dosar as brincadeiras.

E foi assim, no dia a dia, que eles foram aprendendo a lidar com ela. E que eu fui aprendendo a lidar com os três. E que nós cinco fomos sobrevivendo ao primeiro ano da nossa bebê em casa…

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O tal do parto

Toda grávida tem um certo receio do parto. Não tem jeito, dá medo. O que entrou na gente menor do que um grão de areia  vai sair com mais ou menos cinquenta centímetros e pesando três quilos. Fala sério, é pra dar medo em qualquer um, né? E uma das maiores dúvidas das gestantes é: como saber que é hora de ir pro hospital? No último mês cada dia é possível. Será que vai ser no sacolão, no cinema, na festa de uma amiga?

Imaginamos a cena básica: no meio da noite, a gente com dor, acorda nosso parceiro. “Amor acho que vai nascer!!!” Aí ele dá a mão pra gente, com todo o carinho, e iniciamos juntos a contagem das contrações no relógio, calmamente.

Ou a gente imagina que vai ser pega de surpresa. Numa consulta simples de nono mês, você ainda está de 37 semanas, e o médico te examina e fala “Querida, você está super dilatada! Vai nascer hoje a noite.”

Podemos ser mais dramáticas e achar que a nossa bolsa vai estourar em um lugar público. Que grávida nunca pensou nisso? A bolsa rompendo no meio do supermercado, a gente ficando toda molhada. E as pessoas correndo ao nosso auxílio, gritando “Vai nascer!! Vai nascer!!!!” Algum engraçadinho já com o iPhone em mãos filmando a cena toda, esperando que nos deitemos no chão e que demos à luz ali, entre os frios e os enlatados.

Gente, não é bem assim. Parto DEMORA. Salvo algumas exceções, grande parte do trabalho de parto consiste em esperar. Esperar a dilatação completar, esperar o anestesista chegar, esperar o bebê descer. É uma longa espera.

Bom, decidido que é hora de ir pro hospital, vem toda aquela emoção, ligamos para os familiares e vamos correndo para o carro (se você resolver ir de taxi como eu, tem que entrar fazendo cara de paisagem, senão ele não te leva, com medo que você dê a luz no banco de trás). A entrada e saída do carro é um trampo com todas as malas – a sua, a do bebê, a do pai, a das lembrancinhas, a dos docinhos e o tal do quadro da maternidade que ficamos meses planejando. Parece que vamos sair de férias por um mês.

Chegando no hospital a ansiedade bate forte. Será que vou conseguir fazer parto normal? Será que minha cesária vai dar certo? Será que vai demorar ou vai ser rapidinho? Eu quando cheguei no hospital achei que iam me tirar do carro numa maca, me levar correndo pra sala de parto, uma gritaria tipo E.R. Mas não, tudo correu muito calmamente. Cheguei, esperei, meu marido preencheu o protocolo, fizeram a triagem para confirmar que eu de fato estava em trabalho de parto (aparentemente meus gritos não foram suficientes). E tudo isso sem nada de pressa, no maior bate papo animado. Aí, constatado que realmente era hora de nascer, me colocaram numa cadeira de rodas (finalmente !!!) e me levaram até a sala.

Me vestiram num aventalzinho branco, colocaram uns tubinhos na minha veia, mediram minha pressão e falaram “agora espera”. E fiquei lá, meio esquecida. Morrendo de dor, xingando quem aparecesse na minha frente, e todo mundo em volta agindo normalmente, realizando suas funções do dia a dia. Era um entra e sai de enfermeiras na sala, trazendo coisa, levando coisa, conversando sobre a festa da semana que vem e sobre o placar do jogo do Corinthians. E eu lá, naquela situação.

Quando eu achava que aquilo não ia acabar nunca, que a dor ia durar para sempre, chegou meu anestesista, santo doutor Eduardo. E pronto, em quinze minutos o mundo se tornou um lugar mais bonito. De repente eu percebi que na verdade meu marido era um fofo de estar la do meu lado me dando a mão – e não mais um canalha idiota e culpado por toda a dor que eu estava sentindo. Até as enfermeiras de repente pareceram mais simpáticas e solícitas. O mundo voltou a ser um lugar civilizado. Fiz piadinhas para a câmera de video e reparei em como a sala de parto era muito mais aconchegante e charmosa do que eu imaginava quando tudo começou.

Passada a fase ESPERA, chegou a hora de nascer. E de repente todos os presentes na sala se posicionaram numa plateia organizada: o pediatra, o ajudante do pediatra, as enfermeiras, o seu médico, o assistente do seu médico, o anestesista, e mais um enfermeiro que estava de passagem pra sua hora de almoço, ouviu a confusão e resolveu entrar. Aquela bagunça toda: faz força, mais força, mais um pouco de força. Nasceu?? Nasceu!!! Tira o bebê, dá pro pediatra, cuida da mãe. E depois de se certificarem de que está tudo bem, pesarem e medirem a criança, me ofereceram o meu pequeno e lindo prêmio: um embrulho minúsculo de touquinha na cabeça, parecendo um joelhinho amassado, que era a cara do pai.

Bom, aí eu aprendi algumas lições. Que as dores do parto e do pós parto não tem nada de romântico. Que as contrações são de morrer, a cicatrização é complicada, o peito parece que vai explodir com a descida do leite. Que você fica pálida, andando que nem uma pata, e ainda tem que sorrir e se arrumar para as visitas que vem pra te parabenizar. Mas faz parte do pacote, e rola uma pressão para sair do parto linda, magra e recuperada – não rola?? Aprendi que cada mulher é uma mulher, e que cada parto é um parto. (Conheço gente que não sente nada de dor, gente que grita até não poder mais. Tenho uma amiga que não percebeu que estava em trabalho de parto e deu a luz em casa. Uma que ficou treze horas internada esperando a dilatação completar até nascer. Outra que fez cesárea marcada. Uma que a bolsa estourou no meio da noite enquanto ela dormia. Outra que depois de passar da data, foi para indução. Tem uma conhecida minha que deu a luz no carro – afinal seu bebê resolveu nascer as seis e meia da tarde de uma sexta feira chuvosa em plena Avenida Rebouças).

Mas acima de tudo aprendi que mesmo que você jure com todas as suas forças que nunca mais vai passar por essa agonia de novo e que considere loucas todas as mulheres que vão para o segundo filho, depois de uns meses você esquece de toda a dor e desespero – e aí fica pronta para ter o seu próximo pacotinho.

Dessa vez rosa, quem sabe?