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Abundância

Essa história começa num consultório médico. 

É fim do dia, e minha filha mais velha está passando por um procedimento chatinho envolvendo anestesia, pinças e curativos. 

O doutor é distinto e gentil, e escuta música clássica enquanto trabalha. O único som do ambiente é a valsa de Chopin que toca solene na rádio Cultura FM. 

É nesse momento que a minha pequena Lea, que está lá só de acompanhante, aponta muito interessada para a decoração e pergunta: 

O doutor, muito solícito e didático, explica: 

Para quê? Eu te pergunto…

Stella, que estava tratando o machucado, quase pula da maca com a risada frenética. 

A palavra abundância é nova para elas. 

E pelo visto, muito engraçada.

Elas começam a exclamar a palavra abundância uma para a outra, como se fosse um mantra. 

Um mantra hilário. 

E continuam assim até o fim da consulta.

Que bom que o médico é tranquilo e leva na esportiva. 

E foi assim que um dia aterrorizante de procedimentos médicos se tornou o dia em que elas tomaram conhecimento da palavra abundância.

Digamos que o resto do dia foi abundante em matéria de diversão e farra.

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A tapioca chegou a minha casa

Eu sei, eu sei. Estou cinco anos atrasada. Talvez mais. 

Tudo começou um mês atrás. Meu filho chegou para mim e perguntou:

FILHO: “Mãe, por que a gente nunca faz tapioca?”

Ele havia acabado de voltar da casa de um amigo, onde aprendeu a incrível arte da tapioca. 

Oras, o que posso responder? Apenas a verdade, nada mais que a verdade:

EU: “Porque eu não sei fazer tapioca, filho.” 

Ele olha pra mim incrédulo.

Entro na defensiva, afinal  estou na quinta série  maturidade as vezes nos falta, mesmo quando somos adultos. 

EU (super madura): “Mas olha, eu sei fazer almôndega, lasanha, batata gratinada…” começo a enumerar.

Ele revira os olhos pra mim e começa a vasculhar o armário da cozinha.

ELE: “Não tem tapioca?” 

EU: “Não, não tem, filho” 

Quando a tapioca virou febre alguns anos atrás, comprei para experimentar e não curti. Pareciam bolinhas de isopor grudadas e sem gosto nenhum. Na época ninguém em casa gostou e o saco inteiro acabou indo parar no lixo.

ELE: “É porque você não sabia fazer, mãe.” Ele insiste. “É gostoso, sério.”

Pois bem, me dou por vencida.

Pego a minha bolsa e saímos para comprar a tal da tapioca. 

Na volta, ele arregaça as mangas e começa a me ensinar essa arte culinária. A cozinha se transforma num caos instantâneo, mas tudo certo, o importante é incentivar a independência, não é mesmo?

Vamos que vamos.

Ele despeja a tapioca, mexe a panela, remexe, espalha o queijo. Admiro sua desenvoltura na cozinha – até pouco tempo atrás ele nem sabia como usar os botões do microondas. 

Aliás, ele nem alcançava o microondas.

ELE: Tá pronto mãe.”

Olho para a tapioca. 

A massa granulada dobrada como um wrap de queijo derretido, e todo o amor e independência do meu filho refletidos naquele pequeno prato de sobremesa. 

Sentamos na mesa e comemos juntos. Ele, satisfeito consigo mesmo. Eu, com uma pontada de orgulho, não vou negar. 

De repente a tapioca pareceu muito mais deliciosa do que eu me lembrava. Um verdadeiro manjar dos céus. Será que é isso o que chamam de Comer Afetivo

Ele finaliza:

ELE: “E se você passar cream cheese, fica muito bom.” 

E não é que ficou mesmo?

Tudo isso pra dizer que a tapioca chegou com tudo na minha casa, marcando uma nova fase de independência alimentar das crianças. Desde então foram frigideiras e frigideiras de lanchinhos e cafés da manhã de tapioca – sempre de queijo. 

Nós até tentamos uma de banana, mas não deu certo! Tivemos de jogar fora. 

Faz parte do jogo né? 

Nem sempre as 

coisas funcionam. 

E tudo bem. 


 

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Cadeira de rodas

Há pouco mais de um mês atrás eu tive que passar por uma cirurgia. Caí e me machuquei feio. Eu sei, bobeei. Acontece nas melhores famílias! No início tentei salvar a coisa com fisioterapia, medicamento e repouso, mas como nada deu certo, tivemos que ir pra faca.

Tudo bem, lá vamos nós. Uma cirurgia minimamente invasiva no quadril.

MÉDICO: “Você dorme, e aí a gente vai só vai entrar aqui pela perna esquerda, fazer uns furinhos, você não vai nem sentir. Sairá do hospital no dia seguinte, fica umas semanas sem encostar o pé no chão. É tranquilo! Coisa simples”

Ah, tudo bem! Do jeito que eles falam parece que será realmente um passeio no campo. E preciso dizer que, a princípio, foi. Você já tomou anestesia geral? Deve ser essa a sensação do verdadeiro sono dos justos. Há anos não durmo tão bem! Um sono delicioso, pesado, nutritivo. Acordei plena e relaxada como nunca.

Bom, corta para o dia seguinte da operação. Como eu estou?

Chego em casa e tenho três crianças olhando para mim. A primeira coisa que noto é que eu estou literalmente na altura deles.

Sim, sou eu. Estou medicada até o último fio de cabelo (para não sentir dor) e a perna esquerda eu simplesmente não sinto. É como se ela fosse apenas um peso atrelado ao meu corpo. Mas, tudo certo, segundo o médico “tudo de acordo com figurino! Segue o baile”.

Então… sigamos o baile.

Os primeiros dias foram realmente de apreensão e cuidado. Estou cheia de pontos, com dor e esgotada. Minha filha de oito anos super cuidadosa faz ovos mexidos e me traz na cama (dois ovos, queijo ralado e parmesão. Salpicado com cebolinha por cima se quiser dar um gostinho!). Minha pequena com toda a delicadeza que lhe cabe traz os livrinhos da Silvana Rando e Histórias do Teddy para lermos juntas na minha cama.

O que fazemos repetidas e repetidas vezes !

Em quatro dias após cirurgia já havíamos nos adaptado a essa “nova realidade” da mamãe de cadeira de rodas (que perdurou por um mês). Meu filho de dez anos tornou-se meu motorista particular pela casa, me levando por todo os cantos.

Digamos que se isso fosse vida real, ele teria perdido a carta no primeiro dia.

Graças aos céus não tivemos nenhum acidente de percurso significativo – a não ser com os batentes das minhas portas e os rodapés da casa, que nunca mais serão os mesmos.

A fase da cadeira de rodas passou, depois veio a do andador – que não foi tão bem recebida assim, afinal, a cadeira de rodas era muitoooo mais legal! Agora estou fazendo fisioterapia e “reaprendendo” a andar. As crianças dizem que eu deveria pedir dicas para a minha sobrinha de dois anos, afinal:

Acho natural. Quem sabe não dou uma ligada para ela?

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Brincadeiras a parte, porque é isso que eu procuro fazer aqui – encontrar leveza onde for possível – gostaria de fazer um adendo importante. Vivi por um mês essa sensação de não poder andar, de não ter liberdade e independência para fazer as coisas. De usar uma cadeira de rodas para conseguir me locomover minimamente pela minha própria casa – porque fora de casa, só consegui sair com ajuda.

Nunca achei que sentiria tanta falta de poder sair na rua sozinha para comprar um chiclete. Ou, que seja, coisas tão ordinárias quanto conseguir pegar uma encomenda no elevador ou simplesmente vestir uma meia sem ajuda.

Valorizemos as pequenas conquistas de todo dia. 

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Pandemia não rima com paciência

Decidi levá-los ao cinema.
Eu sei. Eu sei que estamos em pandemia. Que devemos evitar locais fechados e ficar em casa, quietinhos, comportados – Eu sei de tudo isso. E estamos ficando.
Mas aquele era o fim de um dia mais exaustivo que o normal.
Deu problema nas aulas online. Deu problema no trabalho. Deu disputa por brinquedo. Deu briga por atenção. Deu choro. Deu pepino na internet. O jantar queimou.
Ou seja, não era nosso dia.
Ninguém aguentava mais.
E então, tomada por uma inspiração do além, anunciei:
Em plena quarta feira fim de tarde.
O efeito foi instantâneo, eles pararam de brigar e saíram correndo se trocar, sem questionar nada. Em segundos estavam prontos.
Feliz com a minha ideia, chamei o elevador e descemos para o carro. Me achando a própria mãe cool, que faz programas diferentes, sai da rotina. Manja?
O cinema era longe. Mas tudo bem, o trânsito vai ajudar! Vamos manter o bom humor, a presença de espírito. Tudo certo. Vai ser bom! Uma mudança de ares bem vinda, um escape gostoso.
O que acontece quando três crianças estão sentadas juntas no banco de trás por mais do que 30 segundos?
Se você respondeu elas começam a brigar, você acertou.
Tudo bem. Inspira, expira não pira. Liguei o rádio e tentei relaxar. Está tocando Wicked Game, um rock tranquilo que não ouço há tempos. Aumento o som, tentando focar no dedilhado do baixo, nos acordes, na voz aveludada do Chris Isaak.
A briga segue, mas eu estou longe.
De repente, minha pequena de três anos anuncia, com sua vozinha delicada:
Caramba, ainda estamos a 16 minutos do lugar. Lanço para ela um olhar acusador. Aliás, se na vida real existisse aquele olhar de filme, que solta faíscas, coitada, eu teria soltado.
Respiro fundo e pergunto, tentando manter a paciência:
EU: Ah meu Ds, Eu não falei que era para fazer xixi ANTES DE SAIR DE CASA???”
Ela apenas me olhava com seus doces olhos azuis. Entredentes, perguntei se ela conseguia segurar um pouco.
Ela fez que sim. Mas, tadinha, sabe o que é pedir para uma criança segurar o xixi por dezesseis minutos?? (Se o waze estivesse correto) É muito!!
Aí já era.
Veja bem, sou uma pessoa bem paciente em geral. Muito tranquila e de bem com a vida. Mas estamos há oito meses em pandemia. Oito. Meses. De. Rotina. Zoada.
Então a coisa desandou. Comecei a tecer um longo e complexo discurso sobre a importância de fazer xixi antes de sair de casa.

Porque agora íamos atrasar no cinema, que com certeza não ia dar para comprar pipoca, e que tudo isso porque eles não tinham a responsabilidade. Afinal, eu não mandei mil vezes fazer xixi antes de sair? Não mandei? Então por que não foram?
(estão conseguindo captar o QUÃO insuportavelmente irritada eu estava? Pois bem)
Aí, paramos num farol vermelho. E eu seguia berrando dando bronca, firme e forte. Uma mão no volante, a outra movendo-se furiosamente enquanto eu gesticulava  sobre os problemas fisiológicos de se segurar o xixi por muito tempo.
Nesse momento um homem se materializou de repente ao lado do carro. Enrolado num cobertor.
Um mendigo.
Eu tenho o hábito de sempre dar alguma coisa quando alguém me pede na rua. Se eu tiver umas moedas, ou um pacote de bolacha ou uma nota de dois reais, eu dou. E se eu não tenho nada, eu pelo menos abro o vidro digo apenas um oi, hoje eu não tenho, desculpe. Estou sem nada. Fica para a próxima. Ou algo assim*.
Então nesse dia eu abro o vidro na maior naturalidade, ainda focada no discurso sobre os problemas da bexiga cheia, berrando com as crianças a plenos pulmões, e na olho rapidamente para o mendigo:
EU: Olha moço, você me desculpa, mas é que eu estou dando uma bronca aqui atrás
O mendigo olhou para mim, atônito, fez que sim com a cabeça, resmungou qualquer coisa e seguiu sua vida.
Fechei o vidro, de repente me sentindo exausta. Brigar cansa, sabe? É muita energia que vai.
Olho para os três e noto que eles estão segurando o riso. De repente me dou conta do nível de ridículo que consegui atingir. É tudo muito absurdo.
Resignada, esboço um sorriso.
Sentindo-se autorizados, eles começam a rir.
Rio com eles, e em segundos estamos os quatro gargalhando.
Seguimos o resto do caminho as gargalhadas, eles confabulando sobre o que o mendigo deve ter pensado e eu me perguntando qual o nível de loucura eu ainda poderia atingir.
Chegamos no cinema em tempo de fazer xixi e comprar pipoca!

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*Acredito que mesmo quando não tenho nada para dar, o mínimo que posso fazer é responder com educação ao mendigo. Então eu rapidamente abro um pouco o vidro, dou um sorriso e digo que não tenho nada naquele dia. Quando se está na rua precisando de esmola para viver, um pouco de humanidade cai bem. Se não posso oferecer nada de material, pelo menos um resquício de atenção e acolhimento, eu sempre posso.

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Semana Detox… de telas

Depois de meses em quarentena – Obrigada China, obrigada morcegos. Obrigada políticos. Obrigada a sei lá quem mais dá para culpar. Obrigada. – decidimos fazer uma semana detox aqui em casa.

“Mas detox? Vocês estão comendo light?”

Não, nada a ver com comida ou dietas radicais abomináveis (conforme vocês puderam ver no post anterior, não estou conseguindo focar nisso no momento). É um detox de telas.

Significa que as crianças ficariam uma semana INTEIRA sem ver televisão ou brincar em tablets, videogames e celulares.

Não que eles fiquem MUITOO. Eles só tem ficado… muito. O consumo de eletrônicos aumentou significativamente durante a pandemia. Antes, éramos super regrados. Eles só podiam usar eletrônicos de sexta feira E de domingo. Não havia discussão.

Agora eu acabo deixando um pouco todos os dias. Porque sou um ser humano exausto.

E como eles estavam se tornando cada vez mais viciados – infelizmente as telas fazem isso com as pessoas… quanto tempo por dia você passa no celular? Já olhou? É assustador – decidimos fazer um detox de telas.

Isto é, uma semana inteirinha sem acesso à telas.

Enfim. Segue um relato de como foi a experiência aqui em casa:

Dia 1:

Muito choro e reclamação. Nos tornamos os piores pais do mundo. Injustos e sem coração.

Eles iam esquecer tudo o que estava acontecendo nos desenhos que estavam acompanhando. E por nossa causa TODOS os moradores do The Sims iriam morrer.

As crianças não sabiam o que fazer com si mesmas. Só sentiam a raiva crescente no peito e buscavam nos punir por fazer uma atrocidade daquelas com eles.

Confesso que quase desisti do plano.

Dia 2:

Insistiram de novo. Tentaram barganhar.

Como vocês podem ver, estava fácil a vida. Novamente fomos chamados de pais injustos. Escondo o controle da televisão e os tablets no armário do meu quarto, afinal, como dizia o ditado?

Ah. O que os olhos não veem o coração não sente.

Dia 3:

Começam a lembrar de brinquedos que estavam escondidos nos cantos dos armários e que eles não brincavam faz tempo.

Jogos como Cara a Cara, Lince e Twister são desenterrados e voltam a conhecer a luz do dia.

Passaram MAIS DE UMA HORA entretidos numa brincadeira onde eram policiais investigando um crime (não souberam me explicar qual era o crime, mas me garantiram de que a investigação estava indo bem). Nem mencionaram as telas.

Dia 4: 

Consigo identificar um novo tipo de companheirismo entre eles. Parecem mais gentis e amigáveis. Brigam menos. A casa parece mais calma e civilizada.

Tento me lembrar da pesquisa que li a respeito do assunto. As telas deixam as crianças mais agressivas? Menos criativas? Passivas e vegetantes olhando para o nada. Era isso mesmo?

No fundo eu sei que sim. Mas secretamente espero que não.

Dia 5:

É quase como se as telas nunca tivessem existido. Continuam na brincadeira de investigação (curtiram a ideia de policial)

Fizemos o brownie e eles nem brigaram para lamber a forma. As meninas brincam de casinha, médica e cientistas.

O único que ainda sofre  de abstinência é meu filho de dez anos, que precisa desesperadamente ouvir suas músicas (Legião Urbana, Raul Seixas e Engenheiros do Havaí. Não me pergunte como, desconfio de que estou criando um adolescente revoltado dos anos 90.) Ele também quer continuar mantendo a família e a linda moradia que construiu no The Sims.

Dia 6:

Minha filha de três anos encontra o tablet escondido e todas as memórias voltam, uma a uma. Imagino que ela tenha lembrado de si mesma de banho tomado e pijama assistindo a Masha e o Urso depois de um dia cheio. Ela chora.

Pede pelo desenho.

Quero dar – porque sou dessas. Quero dizer:  “parabéns, meu amor, você aguentou muito bem, pode assistir um pouco de netflix.”

Mas o marido segura as pontas. Diz que não. Vamos distrair ela um pouco.

Levo-a dar uma volta de carro e comprar um picolé. Vemos carros, cachorros e gente. É uma distração excelente.

Voltamos para casa mais calmas.

Mas durante vários períodos do dia lembra do tablet e pede por ele. De vez em quando até chora.

Dia 7:

Cansei. Estou exausta. Preciso retornar uma ligação, responder vários emails e terminar o meu trabalho. Libero um pouco de filme depois do banho.

Conclusão:

Crianças vivem mais do que bem sem telas. A pessoa que mais sofreu com a semana sem telas, fui eu.

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Querido plano de ser fitness,

Como vai você?

Por aqui tudo ótimo. Indo, vivendo, e postergando a sua chegada a cada dia como sempre. Ainda mais agora na quarentena.

Não me leve a mal, te admiro pacas, sei que você faz maravilhas com as pessoas. Deixa elas mais felizes, satisfeitas, saudáveis. Aumenta o amor próprio, a endorfina, a adrenalina.

Mas olha, sinceramente, é muito difícil colocar você em prática.

Por que? Porque tem horas que só um doce salva. No meu caso especificamente, um chocolate. É inegável que me deixa mais calma, mais alegre, mais paciente. O mundo se torna um lugar melhor e eu, uma mãe melhor.

Mas, em respeito a você, Plano Fitness, desde que fiz trinta anos e percebi que não dá pra ser irresponsável pra sempre – porque açúcar faz mal, aumenta o colesterol, diabetes, tira nossa energia, etc – eu vinha tentando deixar para comer doce só quando a situação estivesse mais caótica, sabe? Quando fosse imprescindível MESMO. De repente numa TPM forte, ou naqueles dias em que as crianças estão atacadas.

Mas preciso confessar que estou com a impressão de que, na vida adulta, o doce é imprescindível TODO SANTO DIA. Porque doce é tipo colo de mãe. E me diga, honestamente, quem não precisa de um aconchegante colinho maternal no fim do dia??

Veja bem:

Dia puxado no trabalho? Brigou com namorado/marido? Chocolate.

Crianças estão discutindo há horas e você já não sabe mais o que fazer? Que tal um pedaço de pavê?

O mundo entrou em colapso e está se despedaçando por causa de uma pandemia que parece se agravar a cada dia e nem a ONU sabe mais o que fazer?

CHOCOLATE, CHOCOLATE, CHOCOLATE.

Juro que vai ajudar.

E nem me venha com a história: “Ah, você pode substituir o chocolate ao leite clássico por linhaça pelo meio amargo”

Sejamos honestos: Isso dá certo para alguém? É que nem dizer que você pode substituir um lindo dia de sol na praia, com agua cristalina e cel azulzinho, por um dia frio com trovoadas na praia. Praia é sempre legal, claro. Mas, dependendo do clima, são duas experiências completamente diferentes.

Entende o que quero dizer? Sem condições. O chocolate amargo ajuda? Quebra um galho. Mas não me diga que um chocolate 80% cacau é a mesma coisa que uma panela morninha de brigadeiro.

Aliás, durante  a quarentena, poucas coisas são mais aconchegantes e terapêuticas do que comer algo bem quentinho, recém saído do forno.

Porque o que a gente faz o dia todo em casa, além de tentar manter algum resquício de rotina e gritar com as crianças para tentar manter a paz no lar (sei que parece contraditório, você ter de gritar para conseguir a paz. De certa forma é, mas quem está pensando em ser coerente num momento como esses né?).

Enfim, segue algumas ideias de coisas que a gente pode fazer e, com certeza, resultará num lar mais feliz e harmonioso:

Biscoitinhos amanteigados (com canela, se preferir)

Brigadeiros enroladinhos com confetes coloridos.

Bolo de cenoura com calda de chocolate.

E quando as crianças estão naquela brigalhada sem fim, que sempre acontece em algum momento da semana  – afinal, compreensível, sem amigos, sem escola, na companhia do outro o dia inteiro – e você já tá com vontade de chorar, qual é o melhor caminho?

Comer bis (ou similares) na cama, todo mundo junto. Intercalando um preto e um branco, e jogar conversa fora.

Então, plano fitness, como eu disse. Te admiro pacas. Mas vai ficar para a próxima.

Quem sabe depois da pandemia eu não me animo?

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*** estão me chamando de velha por utilizar o termo PACAS. Pode isso, produção?

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STOP!

Estávamos sentados jogando STOP, eu e meu filho de dez anos.

Ultimamente, ele tem reclamado que as categorias comuns de STOP são muito sem graça. Sabe, os de sempre? Nome, Comida, CEP, Minha Tia É, etc?? (Aaaah, essa geração alpham acelerada e impaciente)

Então, para dar aquela revigorada na coisa, a cada jogo ele decide criar novas categorias.

Nesse dia, eram elas:

Não são categorias muuuuito diferentes das comuns, mas especificam um pouco mais a coisa. Não basta um objeto com N. Tem que ter mais de 100 kg. Não basta uma comida com N, tem que ser vermelha. E assim por diante.

Enfim. Eu havia acabado de escrever Napoleão Bonaparte e Nápoles (não gosto de preencher as coisas na ordem) e fiquei esperando ele terminar de escrever os dele. Sabe, acho que eu aos 31 anos coleciono um pouco mais de conhecimento e experiência de vida do que meu filho de dez – apesar de sua memória e capacidade de armazenar informações serem infinitamente melhores que a minha.

Em todo caso, considero uma diferença meio injusta disputar no STOP com um menino duas décadas menor do que eu. Por isso, mesmo que eu termine de preencher todas as categorias primeiro, sempre dou um tempinho pra ele acabar.

E nesse dia, enquanto eu esperava, fui me perdendo em meus devaneios (sim, dá uns bons minutos de espera, suficientes para se perder em devaneios distantes) e de repente comecei a lembrar daquelas piadinhas de cúmulos que eu costumava contar quando era criança.

Vocês lembram dessas piadas?

Decidi que talvez seria legal compartilhar com ele essas minhas lembranças.

EU: Filho, antes da gente comparar as respostas, eu quero muito te contar uma coisa da minha época.

(Vó total né?)

ELE: (adolescente entediado revirando os olhos): Fala, mãe.

Aí eu perguntei:

EU: Filho, você conhece as piadas de cúmulos??

ELE: Tem várias.. De qual vc tá falando?

Tento me lembrar da mais famosa da minha época:

EU: TIPO… Qual é o cúmulo da rapidez? Comer o guardanapo e limpar a boca com o peixe.

Lembro de como eu me achava o máximo quando contava essa piada.

Mas meu filho só me olhou muito sério e disse:

Oras, eu era tão avoada de pequena que nem sabia o que a palavra distração significava.

Mas não desisti:

EU: O cúmulo da distração não é trancar a gaveta com a chave dentro?

ELE: Não mãe, esse é o cúmulo da velocidade…

Minha Débora de dez anos interior já estava furiosa com a audácia daquele menininho dizendo que meus cúmulos todos estavam errados.

EU (enfezada): Não é, não! O da velocidade é apostar corrida contra si mesmo e chegar em segundo lugar.

Não contente, ele me lançou um olhar que era em parte desafiador e em parte divertido, e respondeu:

ELE: Mãe, este é o da lerdeza.

EU, vencida na vida: Tá, desencana dos cúmulos. Vamos de stop.

 

Comparamos nossas respostas.

Tiramos 75. Ambos colocamos Napoleão Bonaparte.

 

Resumo da ópera: Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia… Nem as brincadeiras, nem as piadas. E provavelmente nem as músicas. RIP anos 90.

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Das coisas que são subestimadas na maternidade

Durante essas semanas de quarentena tenho enlouquecido em casa acompanhado um pouco como as minhas amigas com filhos estão conseguindo se virar com as crianças em casa.

Tem as mães super animadas, com programação e brincadeiras o dia todo.

Tem as que fizeram horários completos com rotina, hora das artes, da educação física, hora de culinária, hora da história.

Tem as que liberam TV o dia todo.

E as que desencanaram TOTALMENTE das aulas online.

Tem as que se trancam no banheiro com o celular por uma hora todos os dias – o famoso isolamento no isolamento – para assistir netflix em paz.

E tem as que saem para caminhar sozinhas no fim do dia ouvindo música para não chorar enlouquecer.

Cada uma está lidando do jeito possível, e é lindo de ver.

Tenho muito orgulho delas.

Então, tendo em vista os depoimentos de todas, fiquei pensando que o mundo às vezes subestima muito nosso trabalho como mãe. Em vários sentidos. Cara, ser mãe é difícil e maravilhoso pra caramba. E é óbvio que a gente merece todos os dias no ano, não apenas o segundo domingo do mês maio.

Coisas que o mundo subestima no trabalho de ser mãe:

1- Pôr as crianças para dormir.

Parece uma tarefa simples, né? Angelical, até.

Veja como a hora de dormir é retratada nos filmes, por exemplo. A criança já está na cama – num quarto todo organizado, diga-se de passagem –  prontinha, de pijama e dentes escovados, numa paz que a gente só vê em filme mesmo. Aguardando pacientemente o pai/mãe entrar no quarto para dar um beijo de boa noite. Contar uma historinha rápida. Como se fosse uma tarefa que ocupa no 5 minutos – 10 no máximo – de puro amor e harmonia.

E aí o que acontece? A criança sempre cai num sono profundo no meio da leitura.

AHAM. Sei.

Só que na vida real, não é bem assim que acontece. Sabe quem acaba dormindo no meio da história, em 90% dos casos?

Nós mesmas.

Porque as crianças se recusam veementemente a perder o precioso tempo da vidinha deles fazendo algo tão chato como dormir. Enquanto a gente, adultos, já aprendeu a amar este momento com todas as nossas forças.

2- Parto e gravidez

Esse item dispensa comentários.

Só gostaria de fazer uma ressalva: existe uma expressão muito comum na nossa língua portuguesa, que é “foi um parto”

É muito comum as pessoas usarem ela para se referir a coisas que foram muito difíceis de acontecer. Eu mesma já me peguei usando-a várias vezes. Por exemplo:

Sei que fazer um papel sair de uma impressora parece difícil, mágico até – (elas costumam dificultar muito a nossa vida às vezes) mas imagina fazer um bebê sair de dentro de um ser humano?

Isso sim é um parto.

3- HOMESCHOOLING

Tiro o chapéu para todas as mães ao redor do planeta que efetivamente optam por este sistema de educação em casa por livre e espontânea vontade. A quarentena me abriu os olhos para essa realidade que eu ainda não conhecia, e eu só tenho isso a dizer:

Vocês são heroínas. Um exemplo de amor paciência e dedicação.

Quando eu crescer quero ser igual vocês.

4- Dar janta TODOS OS DIAS, de DOMINGO A DOMINGO.

Haja criatividade, paciência e amor à gastronomia para inventar jantares nutritivos, saborosos e coloridos todos os dias, quando na verdade tudo o que eles gostariam de comer é sorvete, pipoca e pizza.

Não é fácil.

Força, guerreiras.

5-  Privação de sono.

Lembro quando eu estava grávida do meu primeiro filho e uma garotinha linguaruda de uns quinze anos olhou para mim e disse: “Nossa, se prepara, você NUNCA MAIS VAI DORMIR”. Lembro de ter ficado IRADA com esse comentário negativo (dica: jamais diga a uma gravida que ela nunca mais vai dormir) e pensado “Oras, o que ela sabe do assunto? Ela ainda está no colegial!”

Bom, sinto informar que ela tinha razão. Pelo menos por um tempo.

Eu não fazia ideia do que era estar esgotada, até virar mãe. Sabe do que eu estou falando?

Imagina aquele dia que você está exausta depois de um dia cheio de trabalho, ou depois de uma festa badalada que você só quer saber de chegar em casa e se jogar na cama. Enfim, não sei o que te deixa cansado. Mas imagina você nesse estado, finalmente encostando a cabeça no travesseiro, sentindo o corpo relaxar, suspirando de alívio e pensando “Que delícia! Graças ao céus!”

E aí BEM NESSE SEGUNDO, seu celular começa a tocar e você é solicitado com urgência na empresa.

E não tem opção, senão ir.

A sensação é essa, por vários e vários dias consecutivos.

Privação de sono pode enlouquecer uma pessoa. É sério. Eu mesma não sei se não sou assim hoje por causa de todas as horas perdidas e ainda não recuperadas de sono.

6- Vê-los crescendo.

Esse é o mais subestimado de todos. E o mais difícil.

Ver eles crescendo é lindo. É poético. É maravilhoso.

Mas é f*** difícil pra caramba.

Mas é lindo.

Mas difícil.

 

Feliz dia das mães! Vocês são incríveis.

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CoronaPane

Sempre tive este blog como um lugar para falar sobre a maternidade de um jeito honesto, leve, otimista (olá mamães em puerpério!! Juro que passa!). É um lugar que recorro quando quero escrever livremente, comentar causos da vida de mãe, etc.

Mas hoje… eu sentei aqui no computador e, olha, honestamente, só consigo pensar em: corona vírus, corona vírus, corona vírus, pandemia, surto apocalíptico, loucura, economia mundial, escolas fechadas, pane.

Porque… bom, está complicada essa situação apocalíptica, sem prazo para acabar.

Eu não sei como você aí do outro lado da tela está se sentindo, mas eu, do lado de cá, estou mais perdida que agulha no palheiro. Sem muita perspectiva sobre o futuro, andando de um lado para o outro feito barata tonta, comendo a casa inteira enquanto tento manter um nível mínimo de normalidade na rotina das crianças, do trabalho e da casa, e, é claro, a sanidade mental de todos.

Está fácil, Brasil. Aliás, mundo.

O que falar para as crianças nesse momento, quando nem a gente que é adulto entende direito o que está acontecendo e tudo muda a cada segundo?

Explicar sobre o bichinho que se espalha, sobre a importância de lavar bem as mãos, usar o álcool 70% e não tocar/respirar/abraçar/beijar/morder o amiguinho, já era. Tudo isso é coisa de 10 dias atrás. Agora, nem amiguinho tem mais.

Agora o buraco é beeem mais embaixo…

Dependendo da idade, não tem muito o que falar. Por exemplo, minha filha de três anos segue feliz e saltitante, completamente alheia aos últimos acontecimentos do mundo. O maior problema da vida dela é vestir a meia da patrulha canina depois do banho e tomar suco no copo da Minnie com canudo rosa.

Mas os grandes… já se inteiraram de que há algo mais errado do que uma simples gripe. Depois de dois dias detidos em casa, sem aulas, nem poder ver os amigos, minha filha de 7 anos escreveu um conto chamado “Coronavirus” (onde há uma epidemia mas tudo acaba bem quando a protagonista (Bia, se chama) acorda e descobre que tudo não passou de um sonho – já pensou??).

Meu filho de 10 tem pesquisado exaustivamente sobre as maiores pandemias que já assolaram a humanidade.

Estou amando, é super animador:

Aguenta coração.

Eles me perguntam sobre a crise. Me perguntam quando a escola vai abrir de novo. Quando eles vão poder sair para passear.

Se é verdade que a comida do mundo vai acabar. Por quê cancelaram a festinha do David.

Hoje, minha filha veio me perguntar se o bisavô vai ficar bem.

Suspirei fundo e disse que sim, para eles não se preocuparem que vai ficar tudo bem.

Porém, eles são insistentes.

Eu tive vontade de falar, EU NÃO SEI. EU QUERIA MUITO SABER! EU QUERIA DIZER QUE É TUDO UMA PEGADINHA DO FAUSTÃO (o que seria estúpido porque eles não fazem ideia de quem é Faustão)

Mas enfim, não posso responder isso né? Então eu só suspirei e disse, sem pensar muito:

EU: Vai ficar tudo bem tá? Porque a mamãe está aqui.

Veja bem: a mamãe, no caso, sou eu. EU. A mamãe – que “tem tudo sob controle”. A mamãe – que “está lá quando precisa”. Essa mãe aí – a “super poderosa” -, sou eu. EU???

Me senti uma farsa, sério. Mas sabe o quê?

Eles não perceberam. Muito pelo contrário. Para eles foi mais do que suficiente.

Assentiram tranquilamente e seguiram para suas atividades, como se tudo aquilo de repente fizesse sentido. Simplesmente porque a mamãe está aqui.

Às vezes a gente exige tanto da gente, né?

Que essa pandemia acabe logo. Que as pessoas sejam compreensivas e tolerantes umas com as outras. Que os memes continuem chegando (por favor não parem!! Bom humor é o melhor remédio. Precisamos dele neste momento.)

Quem possamos compartilhar amor e bons momentos online.

E que possamos ser fortes e serenas como nossos filhos acham que somos.

#fiqueemcasa

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A Maria Fedida e a geração dos politicamente corretos

Estávamos no carro.

Eles estavam se matando brigando no banco de trás. Eu, depois de tentar distraí-los, pedir trezentas vezes para ficarem quietos e ameaçar tirar todos os momentos de lazer da vida deles caso continuassem brigando, já tinha desistido e abstraído. Estava totalmente ligada no modo zen, curtindo tranquilamente minha Alfa FM (sou velha), quando noto que no vidro dianteiro há uma espécie de besouro.

Do lado de fora do carro, graças aos céus.

E, bom, quem tem filho e mora na zona urbana como eu, sabe que deparar-se com um besouro é uma sensação. Que gera praticamente a mesma reação de encontrar, sei lá, o Mickey.

Eles param instantaneamente de brigar e começam a prestar atenção no tal bicho (serei eternamente grata a ele por promover a paz no meu carro)

FILHA DE 7 ANOS: Eca, o que é? Uma barata? Que nojo!

FILHO: Não, não é uma barata, sua burra!

Tem necessidade do xingamento? É sério, precisa disso?

EU (com tom de mãe-brava): Não xinga sua irmã filho, pede desculpas, JÁ.

ELE: O quê?? É burra mesmo..

EU (já sem nenhuma compostura): PEÇA DESCULPAS JÁ!!!!

ELE: Tá, tá, desculpa, hunf…

EU (recuperando a compostura): Gente, é uma Maria Fedida! Olha que gracinha.

Os três olham boquiabertos para o bicho. Os mais velhos começam a contar empolgados sobre suas experiências anteriores com marias fedidas.

Minha pequena, ofendídissima e pegando todas as dores da Maria, diz:

FILHA PEQUENA: Não é Maria Fedida!!! Coitada!

Seus irmãos começam a rir da fofurice.

Realmente, a gente ensina eles que não pode xingar, não pode chamar os outros de nomes pejorativos, e aí vem a mãe e diz “olha lá a Maria Fedida”? Como a gente espera que o mundo faça sentido para eles assim?

FILHA PEQUENA: Mamãe, não pode falar fedida. É uma Maria Boazinha…. que tem cheiro ruim.

FILHO, GENTIL: Esse é o nome dela, não é que ela é fedida de verdade.

Enquanto eles debatiam sobre as causas do fedor e do nome dela, a pequena seguia insistindo que estávamos sendo muito rudes por chamar a pobre bichinha com esse nome, como legítima integrante dessa nova geração politicamente correta, onde a gente não pode mais nem cantar direito a música do atirei o pau no gato direito (tem que ser aquela versão “não atire o pau no gato-to porque isso-so não se faz-faz-faz..” sabe??). E todo os contos de fadas já foram censurados faz tempo (por exemplo, na Chapeuzinho Vermelho original, avó e neta morrem comidas pelo lobo, não há caçador salvador da pátria algum). E, bom, nem vou mencionar as palavras que caíram em desuso por serem consideradas politicamente incorretas.

Enfim.

Chegamos ao nosso local de destino em paz, conversando gentilmente sobre besouros e Marias Fedidas. E por isso, serei eternamente grata à Maria Fedida. Ou Maria Boazinha. Seja lá qual for seu nome.

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NOVO GUIA DE VOCABULÁRIO POLITICAMENTE CORRETO PARA GERAÇÃO ALPHA (nascidos pós 2010)

LOBO MAU: animal que segue seus instintos 

PÉ DE MOLEQUE: pé de menino levado/que gosta de bagunça

LADRÃO: indivíduo que promove o furto 

BRUXA MÁ: fada psiquicamente avariada/traumatizada