2

A tapioca chegou a minha casa

Eu sei, eu sei. Estou cinco anos atrasada. Talvez mais. 

Tudo começou um mês atrás. Meu filho chegou para mim e perguntou:

FILHO: “Mãe, por que a gente nunca faz tapioca?”

Ele havia acabado de voltar da casa de um amigo, onde aprendeu a incrível arte da tapioca. 

Oras, o que posso responder? Apenas a verdade, nada mais que a verdade:

EU: “Porque eu não sei fazer tapioca, filho.” 

Ele olha pra mim incrédulo.

Entro na defensiva, afinal  estou na quinta série  maturidade as vezes nos falta, mesmo quando somos adultos. 

EU (super madura): “Mas olha, eu sei fazer almôndega, lasanha, batata gratinada…” começo a enumerar.

Ele revira os olhos pra mim e começa a vasculhar o armário da cozinha.

ELE: “Não tem tapioca?” 

EU: “Não, não tem, filho” 

Quando a tapioca virou febre alguns anos atrás, comprei para experimentar e não curti. Pareciam bolinhas de isopor grudadas e sem gosto nenhum. Na época ninguém em casa gostou e o saco inteiro acabou indo parar no lixo.

ELE: “É porque você não sabia fazer, mãe.” Ele insiste. “É gostoso, sério.”

Pois bem, me dou por vencida.

Pego a minha bolsa e saímos para comprar a tal da tapioca. 

Na volta, ele arregaça as mangas e começa a me ensinar essa arte culinária. A cozinha se transforma num caos instantâneo, mas tudo certo, o importante é incentivar a independência, não é mesmo?

Vamos que vamos.

Ele despeja a tapioca, mexe a panela, remexe, espalha o queijo. Admiro sua desenvoltura na cozinha – até pouco tempo atrás ele nem sabia como usar os botões do microondas. 

Aliás, ele nem alcançava o microondas.

ELE: Tá pronto mãe.”

Olho para a tapioca. 

A massa granulada dobrada como um wrap de queijo derretido, e todo o amor e independência do meu filho refletidos naquele pequeno prato de sobremesa. 

Sentamos na mesa e comemos juntos. Ele, satisfeito consigo mesmo. Eu, com uma pontada de orgulho, não vou negar. 

De repente a tapioca pareceu muito mais deliciosa do que eu me lembrava. Um verdadeiro manjar dos céus. Será que é isso o que chamam de Comer Afetivo

Ele finaliza:

ELE: “E se você passar cream cheese, fica muito bom.” 

E não é que ficou mesmo?

Tudo isso pra dizer que a tapioca chegou com tudo na minha casa, marcando uma nova fase de independência alimentar das crianças. Desde então foram frigideiras e frigideiras de lanchinhos e cafés da manhã de tapioca – sempre de queijo. 

Nós até tentamos uma de banana, mas não deu certo! Tivemos de jogar fora. 

Faz parte do jogo né? 

Nem sempre as 

coisas funcionam. 

E tudo bem. 


 

2

5 coisas que eu deveria aprender com minha filha de 4 anos

1. AMOR PRÓPRIO


“Mamãe, eu não estou linda?” Ela pergunta, depois de se maquiar (como só uma criança de quatro anos pode se maquiar), enquanto dá rodopios alegres em frente ao espelho. Seu sorriso vai de orelha a orelha. Ela está genuinamente feliz com o que vê no espelho. Auto aceitação e amor próprio são coisas tão óbvias que nem passam pela sua cabeça.
Enquanto isso, quando foi a última vez que você se olhou no espelho e perguntou a si mesma “MEU DS DO CÉU! Eu não estou linda?!”

2- DIZER NÃO


Filha, vamos arrumar o quarto? Não.
Vamos guardar seus brinquedos? Não.
Vamos colocar uma roupa para sair? Não!
Ela é mestre nessa arte.

E eu, mesmo depois dos trinta, sigo ainda ensaiando um não aqui e um acolá.

3-A CAPACIDADE DE MARAVILHAR-SE COM OS MENORES ACONTECIMENTOS


Ver um cachorro na rua, apertar o botão do elevador ou inventar uma brincadeira nova: tudo é motivo para sorrir, maravilhada, como se nada no mundo fosse mais especial do que aquilo. Entrar no banho quentinho. Colocar o pé no mar, encontrar uma concha legal. Fazer biscoitos de chocolate. Achar uma joaninha é ganhar na loteria!

4-SER LIVRE


Moça, aonde você vai com essa sacola? Moço por que você tem uma capinha de celular amarela? Por que por que por que por que??
Se sentir livre para falar o que se tem vontade de falar e perguntar o que quer. E para sair de casa do jeito que der na telha. Quer ir de pijama? Vai. Quer ir de fantasia da Elsa? Sem problemas. Ultimamente a moda tem sido sair com um sapato diferente em cada pé.
Ser livre é ser espontâneo, autêntico, curioso. Não ter medo de julgamentos, de se expor, de errar e tentar de novo. De ter sonhos grandes e pequenos e ir atrás deles sem medo de ser feliz.

5- SER DETERMINADA


Crianças de quatro anos não desistem. Elas tentam, tentam e tentam mais. Elas confiam, persistem, e seguem persistindo. Eles caem e levantam, caem de novo. E de novo. E quantas vezes forem necessárias. Já pensou se crianças desistissem? Não aprenderiam a andar ou se comunicar. A ler, escrever, ou a fazer qualquer coisa. Enquanto isso as inseguranças podem deixar nós, adultos, paralisados por anos a fio…

0

Pra que servem os cotonetes?

Lea está andando pela casa muito concentrada. Na sua mão, cotonetes.

Curiosa, pergunto:

EU: Filha, aonde você vai com isso?

Ela diz, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, a mãozinha firme ao redor dos cotonetes, o olhar determinado.

Fico tensa e, num flash, todas as notícias aterrorizantes que já li sobre o mal que cotonetes podem fazer ao ouvido humano passam pela minha mente (não vou discorrer sobre tais atrocidades aqui. Se quiser fique a vontade para jogar no google e se aterrorizar comigo.) Sinto arrepios ao imaginar ela com toda a falta de coordenação que cabe ao seu ser de seis anos desbravando as profundezas de seu singelo ouvido.

Meu primeiro instinto é confiscar os cotonetes, sem nem perguntar. Mas fico com pena. Ela parece tão feliz com eles. Imagino o quão difícil deve ter sido escalar a pia pra alcançá-los.

Decido investigar. Sou a própria Bond, Mommy Bond.

De trás da porta vejo que ela está brincando com os cotonetes na sua casa de bonecas. Em vez de usar os bonequinhos de sempre, ela usa os cotonetes, como se fossem personagens da história.

O cenário é completamente indefeso.

Enxerida que sou, pergunto:

Uma resposta sensata. Os bonecos cansaram de brincar, oras. Justo.

EU: E por que você quis usar os cotonetes?

Minha pergunta aqui: por que não usar qualquer outro brinquedo disponível ali ao seu alcance. Para que se aventurar no banheiro atrás do cotonete, essa coisa tão frágil, tão sem graça.

ELA: Porque eu adoro cotonetes, mamãe.

Ué. Desde quando?

EU: Adora?

ELA: Sim! Dá pra fazer muuuuuitas coisas com cotonetes.

(Ela faz um bico quando diz a palavra muitas, prolongando o som do U.)

EU, enxerida: Tipo o que?

Ela dá um suspiro cansado, como se responder àquelas perguntas enfadonhas estivesse exaurindo sua beleza.

ELA: Dá pra limpar os unicórnios…. (ela passa o cotonete pelo pequeno unicórnio de plástico)

Enumera com seus dedinhos as diversas possibilidades.

Em momento algum a palavra “ouvido” é mencionada.

Me ocorre, então, que ela talvez nem lembra que os cotonetes são usados no ouvido. Veja só.

Ainda processando toda essa informação, roubo um beijo da sua bochechinha macia e decido deixá-la em paz com seus cotonetes.

Quer dizer, personagens.

Volto aos meus afazeres, me perguntando em que momento me tornei essa adulta sem graça que acha que um objeto tão mágico e fantástico como um cotonete serve apenas para limpar os ouvidos…

____________________________________________

Em tempo: encontrei uma cadeira encostada na pia do meu banheiro e todas as minhas maquiagens e cremes abertos. Já sei como ela alcançou os cotonetes.

RIP* maquiagens e cremes.

(rest in peace)

2

Todas as estrelas no céu

EU: “Olhem só as estrelas, que lindas, crianças!” 

Chamo as crianças para admirarem o céu estrelado comigo. É uma raridade um céu estrelado em São Paulo.

Simon e Stella, do alto de seus 11 e 8 anos, olham para cima sem emoção alguma e reviram os olhos com sua leve arrogância juvenil como se já não aguentassem mais a mãe idosa lhes apontando algo tão banal quanto a natureza.

Mas Lea, de 4 anos, olha para cima maravilhada. Que delícia que é uma crianças de quatro anos!!

Ficamos ali, nós duas, em silêncio alguns minutinhos, apreciando o céu escuro com seus pontinhos luminosos, que são quase impossíveis de enxergar em São Paulo. Foram meses difíceis, marcados por perdas irreparáveis, dores agudas. Momentos de medo e incerteza. Então é gostoso estar junto com quem se ama. É bom se distrair.

Até que ela pergunta, de repente:

FILHA: “Mamãe, né que todo mundo que morre mora no céu?”

Olho para ela. Seus olhos brilham e seu rostinho reluz com a sabedoria e a compreensão ingênua que só as crianças têm. Uma visão de mundo só delas, que inevitável e infelizmente vai sendo desconstruída com o tempo. Ela insiste:

Suspiro fundo e respondo:

EU: “Não sei, filha.” 

Porque eu não sei mesmo. Para onde vão os nossos queridos, nossos amores, as pessoas que nos deixam aqui para ir para outra dimensão?

Eles vão para outra vida? Somem? Evaporam? Confesso que tenho pensado muito nisso nos últimos meses. Desde que essa pandemia começou e que tantas pessoas queridas se foram.

FILHA: “Vão sim, mãe. Eles moram no céu, junto com as estrelas. O nono. A Marisa. O vizinho. A irmã da sua amiga.”

Ela começa a listar com seus pequenos dedinhos as pessoas amadas que perdemos nos últimos seis meses. Pessoas que nos deixaram com muita dor e uma saudade tão grande que nem cabe na gente.

Sinto o coração apertar. 

Acho que ela percebe. Porque pega minha mão e com sua certeza infinita, diz:

FILHA: “E se você ficar com saudades é só olhar para cima, tá?”

Deixo a dica para todos os saudosos como eu.

Não sei se funciona.

Mas é uma ideia. 

2

Chupeta, pra que te quero?

Lembro-me de quando cheguei com meu primeiro filho da maternidade, onze anos atrás. Eu e meu marido havíamos decidido que não daríamos chupeta a ele. Para quê, dizíamos, chupeta é coisa de pais preguiçosos, que não querem verdadeiramente se dedicar à acalmar e educar os filhos.

Pois é. Eu já fui essa mãe, juro. Durou 5 dias.

Corta para algumas noites mal dormidas mais tarde: fui à farmácia, comprei meia dúzia de chupetas e passei a dar graças aos céus por elas existirem. Elas eram mágicas!! Graciosas, com o design fantástico, anatômico e colorido, e, o mais importante: faziam meu filho fechar o berreiro se acalmar. A paz e o silêncio voltaram a reinar no meu lar. Eu podia finalmente ver uma luz no fim do túnel.

Lembro-me deste momento,  observando meu bebê sugando a chupeta, num quase êxtase de paz. Perguntando-me o que mais eu jurei que jamais faria e mais tarde acabaria fazendo (muitas coisas, já adianto por aqui. Mas isso é coisa para outro texto.)

Enfim. Cortamos para quase três anos depois. Meu bebê já é um marmanjão, fala tudo, usa o banheiro quase como adulto e até ganhou uma irmãzinha. O dentista jura que se eu não tirar a chupeta ele ficará dentuço feito a Mônica e terá problema de mordida. Além disso, a chupeta em uma certa idade não é muito aceita socialmente. Então o que temos de fazer? Tirar a santa chupeta.

Mas tirar a chupeta de uma criança nunca é uma coisa fácil. Envolve livrar-se de hábitos antigos e adquirir novos. Envolve sair da zona de conforto. Envolve amadurecer para a próxima etapa. Envolve abrir mão de algo pelo qual se tem uma enorme dependência. Já pensou? Se agora na vida adulta alguém chega para você e diz:

“Veja bem querido, o seu uso exacerbado de celular te faz um mal danado, teremos que jogar ele fora. Mas não se preocupe, vou deixar você escolher um brinquedo bem legal no lugar do seu celular!!!”

Você manda a pessoa para onde? Pois é. Enfim, chegou a hora de tirar a tão amada chupeta. Aquela companheira para todas as horas, que dava alento nos momento difíceis, ajudava a aplacar o choro e a dor. Levo o meu pequeno herói de três anos de idade para o parque, onde jogamos as chupetas para os peixes no lago.

Foram três dias de sofrimento, talvez mais. Mas ele conseguiu superar com estoicismo e se acostumar com a nova realidade – porque crianças se acostumam com tudo.

Bom, minha segunda filha decidiu que gostaria de dar suas chupetas aos pássaros. Há uma linda árvore aqui no meu bairro que foi apelidada de Árvore das Chupetas, e quando chegam à idade certa, crianças de todas as ruas vêm e amarram suas chupetas nos galhos, despedindo-se delas com água nos olhos, dor no coração e uma coragem que eu nunca vi.

Foi difícil, mas sobrevivemos.

Por fim, chegou a vez de minha terceira filha. Já entrou nessa vida com dois irmãos-professores mais velhos. Esperta, rápida no raciocínio, não acredita em fada do dente, nem em coelhinhos dos ovos de chocolate e muito menos em animais falantes. Quando perguntei se ela queria dar a chupeta para os pássaros ou para os peixes, ela respondeu:

Achei sensato. Então perguntei o que ela queria fazer – porque claramente ela sabia muito mais do assunto do que eu. Demoramos para decidir como faríamos, mas por fim ela decidiu trocar as chupetas por uma linda boneca de pano que ela viu na Tok Stok.

Resoluta, ela entrou na loja com sua sacolinha de chupetas e pediu para a moça o que queria. Pagou a boneca em chupetas (só que não) e fomos embora. Decidida, bem resolvida e num nível de determinação que as pessoas só atingem depois dos quarenta. Olhei para ela num misto de orgulho e dor. Sabia o que viria a seguir, naquela noite, quando ela deitasse para dormir.

A noite doeu. E assim seguiu-se por várias noites. Ainda dói um pouco, na verdade.

Crescer não é fácil. Mas é preciso.

2

Cadeira de rodas

Há pouco mais de um mês atrás eu tive que passar por uma cirurgia. Caí e me machuquei feio. Eu sei, bobeei. Acontece nas melhores famílias! No início tentei salvar a coisa com fisioterapia, medicamento e repouso, mas como nada deu certo, tivemos que ir pra faca.

Tudo bem, lá vamos nós. Uma cirurgia minimamente invasiva no quadril.

MÉDICO: “Você dorme, e aí a gente vai só vai entrar aqui pela perna esquerda, fazer uns furinhos, você não vai nem sentir. Sairá do hospital no dia seguinte, fica umas semanas sem encostar o pé no chão. É tranquilo! Coisa simples”

Ah, tudo bem! Do jeito que eles falam parece que será realmente um passeio no campo. E preciso dizer que, a princípio, foi. Você já tomou anestesia geral? Deve ser essa a sensação do verdadeiro sono dos justos. Há anos não durmo tão bem! Um sono delicioso, pesado, nutritivo. Acordei plena e relaxada como nunca.

Bom, corta para o dia seguinte da operação. Como eu estou?

Chego em casa e tenho três crianças olhando para mim. A primeira coisa que noto é que eu estou literalmente na altura deles.

Sim, sou eu. Estou medicada até o último fio de cabelo (para não sentir dor) e a perna esquerda eu simplesmente não sinto. É como se ela fosse apenas um peso atrelado ao meu corpo. Mas, tudo certo, segundo o médico “tudo de acordo com figurino! Segue o baile”.

Então… sigamos o baile.

Os primeiros dias foram realmente de apreensão e cuidado. Estou cheia de pontos, com dor e esgotada. Minha filha de oito anos super cuidadosa faz ovos mexidos e me traz na cama (dois ovos, queijo ralado e parmesão. Salpicado com cebolinha por cima se quiser dar um gostinho!). Minha pequena com toda a delicadeza que lhe cabe traz os livrinhos da Silvana Rando e Histórias do Teddy para lermos juntas na minha cama.

O que fazemos repetidas e repetidas vezes !

Em quatro dias após cirurgia já havíamos nos adaptado a essa “nova realidade” da mamãe de cadeira de rodas (que perdurou por um mês). Meu filho de dez anos tornou-se meu motorista particular pela casa, me levando por todo os cantos.

Digamos que se isso fosse vida real, ele teria perdido a carta no primeiro dia.

Graças aos céus não tivemos nenhum acidente de percurso significativo – a não ser com os batentes das minhas portas e os rodapés da casa, que nunca mais serão os mesmos.

A fase da cadeira de rodas passou, depois veio a do andador – que não foi tão bem recebida assim, afinal, a cadeira de rodas era muitoooo mais legal! Agora estou fazendo fisioterapia e “reaprendendo” a andar. As crianças dizem que eu deveria pedir dicas para a minha sobrinha de dois anos, afinal:

Acho natural. Quem sabe não dou uma ligada para ela?

______________________________

Brincadeiras a parte, porque é isso que eu procuro fazer aqui – encontrar leveza onde for possível – gostaria de fazer um adendo importante. Vivi por um mês essa sensação de não poder andar, de não ter liberdade e independência para fazer as coisas. De usar uma cadeira de rodas para conseguir me locomover minimamente pela minha própria casa – porque fora de casa, só consegui sair com ajuda.

Nunca achei que sentiria tanta falta de poder sair na rua sozinha para comprar um chiclete. Ou, que seja, coisas tão ordinárias quanto conseguir pegar uma encomenda no elevador ou simplesmente vestir uma meia sem ajuda.

Valorizemos as pequenas conquistas de todo dia. 

1

Pandemia não rima com paciência

Decidi levá-los ao cinema.
Eu sei. Eu sei que estamos em pandemia. Que devemos evitar locais fechados e ficar em casa, quietinhos, comportados – Eu sei de tudo isso. E estamos ficando.
Mas aquele era o fim de um dia mais exaustivo que o normal.
Deu problema nas aulas online. Deu problema no trabalho. Deu disputa por brinquedo. Deu briga por atenção. Deu choro. Deu pepino na internet. O jantar queimou.
Ou seja, não era nosso dia.
Ninguém aguentava mais.
E então, tomada por uma inspiração do além, anunciei:
Em plena quarta feira fim de tarde.
O efeito foi instantâneo, eles pararam de brigar e saíram correndo se trocar, sem questionar nada. Em segundos estavam prontos.
Feliz com a minha ideia, chamei o elevador e descemos para o carro. Me achando a própria mãe cool, que faz programas diferentes, sai da rotina. Manja?
O cinema era longe. Mas tudo bem, o trânsito vai ajudar! Vamos manter o bom humor, a presença de espírito. Tudo certo. Vai ser bom! Uma mudança de ares bem vinda, um escape gostoso.
O que acontece quando três crianças estão sentadas juntas no banco de trás por mais do que 30 segundos?
Se você respondeu elas começam a brigar, você acertou.
Tudo bem. Inspira, expira não pira. Liguei o rádio e tentei relaxar. Está tocando Wicked Game, um rock tranquilo que não ouço há tempos. Aumento o som, tentando focar no dedilhado do baixo, nos acordes, na voz aveludada do Chris Isaak.
A briga segue, mas eu estou longe.
De repente, minha pequena de três anos anuncia, com sua vozinha delicada:
Caramba, ainda estamos a 16 minutos do lugar. Lanço para ela um olhar acusador. Aliás, se na vida real existisse aquele olhar de filme, que solta faíscas, coitada, eu teria soltado.
Respiro fundo e pergunto, tentando manter a paciência:
EU: Ah meu Ds, Eu não falei que era para fazer xixi ANTES DE SAIR DE CASA???”
Ela apenas me olhava com seus doces olhos azuis. Entredentes, perguntei se ela conseguia segurar um pouco.
Ela fez que sim. Mas, tadinha, sabe o que é pedir para uma criança segurar o xixi por dezesseis minutos?? (Se o waze estivesse correto) É muito!!
Aí já era.
Veja bem, sou uma pessoa bem paciente em geral. Muito tranquila e de bem com a vida. Mas estamos há oito meses em pandemia. Oito. Meses. De. Rotina. Zoada.
Então a coisa desandou. Comecei a tecer um longo e complexo discurso sobre a importância de fazer xixi antes de sair de casa.

Porque agora íamos atrasar no cinema, que com certeza não ia dar para comprar pipoca, e que tudo isso porque eles não tinham a responsabilidade. Afinal, eu não mandei mil vezes fazer xixi antes de sair? Não mandei? Então por que não foram?
(estão conseguindo captar o QUÃO insuportavelmente irritada eu estava? Pois bem)
Aí, paramos num farol vermelho. E eu seguia berrando dando bronca, firme e forte. Uma mão no volante, a outra movendo-se furiosamente enquanto eu gesticulava  sobre os problemas fisiológicos de se segurar o xixi por muito tempo.
Nesse momento um homem se materializou de repente ao lado do carro. Enrolado num cobertor.
Um mendigo.
Eu tenho o hábito de sempre dar alguma coisa quando alguém me pede na rua. Se eu tiver umas moedas, ou um pacote de bolacha ou uma nota de dois reais, eu dou. E se eu não tenho nada, eu pelo menos abro o vidro digo apenas um oi, hoje eu não tenho, desculpe. Estou sem nada. Fica para a próxima. Ou algo assim*.
Então nesse dia eu abro o vidro na maior naturalidade, ainda focada no discurso sobre os problemas da bexiga cheia, berrando com as crianças a plenos pulmões, e na olho rapidamente para o mendigo:
EU: Olha moço, você me desculpa, mas é que eu estou dando uma bronca aqui atrás
O mendigo olhou para mim, atônito, fez que sim com a cabeça, resmungou qualquer coisa e seguiu sua vida.
Fechei o vidro, de repente me sentindo exausta. Brigar cansa, sabe? É muita energia que vai.
Olho para os três e noto que eles estão segurando o riso. De repente me dou conta do nível de ridículo que consegui atingir. É tudo muito absurdo.
Resignada, esboço um sorriso.
Sentindo-se autorizados, eles começam a rir.
Rio com eles, e em segundos estamos os quatro gargalhando.
Seguimos o resto do caminho as gargalhadas, eles confabulando sobre o que o mendigo deve ter pensado e eu me perguntando qual o nível de loucura eu ainda poderia atingir.
Chegamos no cinema em tempo de fazer xixi e comprar pipoca!

__________________________________________
*Acredito que mesmo quando não tenho nada para dar, o mínimo que posso fazer é responder com educação ao mendigo. Então eu rapidamente abro um pouco o vidro, dou um sorriso e digo que não tenho nada naquele dia. Quando se está na rua precisando de esmola para viver, um pouco de humanidade cai bem. Se não posso oferecer nada de material, pelo menos um resquício de atenção e acolhimento, eu sempre posso.

0

Semana Detox… de telas

Depois de meses em quarentena – Obrigada China, obrigada morcegos. Obrigada políticos. Obrigada a sei lá quem mais dá para culpar. Obrigada. – decidimos fazer uma semana detox aqui em casa.

“Mas detox? Vocês estão comendo light?”

Não, nada a ver com comida ou dietas radicais abomináveis (conforme vocês puderam ver no post anterior, não estou conseguindo focar nisso no momento). É um detox de telas.

Significa que as crianças ficariam uma semana INTEIRA sem ver televisão ou brincar em tablets, videogames e celulares.

Não que eles fiquem MUITOO. Eles só tem ficado… muito. O consumo de eletrônicos aumentou significativamente durante a pandemia. Antes, éramos super regrados. Eles só podiam usar eletrônicos de sexta feira E de domingo. Não havia discussão.

Agora eu acabo deixando um pouco todos os dias. Porque sou um ser humano exausto.

E como eles estavam se tornando cada vez mais viciados – infelizmente as telas fazem isso com as pessoas… quanto tempo por dia você passa no celular? Já olhou? É assustador – decidimos fazer um detox de telas.

Isto é, uma semana inteirinha sem acesso à telas.

Enfim. Segue um relato de como foi a experiência aqui em casa:

Dia 1:

Muito choro e reclamação. Nos tornamos os piores pais do mundo. Injustos e sem coração.

Eles iam esquecer tudo o que estava acontecendo nos desenhos que estavam acompanhando. E por nossa causa TODOS os moradores do The Sims iriam morrer.

As crianças não sabiam o que fazer com si mesmas. Só sentiam a raiva crescente no peito e buscavam nos punir por fazer uma atrocidade daquelas com eles.

Confesso que quase desisti do plano.

Dia 2:

Insistiram de novo. Tentaram barganhar.

Como vocês podem ver, estava fácil a vida. Novamente fomos chamados de pais injustos. Escondo o controle da televisão e os tablets no armário do meu quarto, afinal, como dizia o ditado?

Ah. O que os olhos não veem o coração não sente.

Dia 3:

Começam a lembrar de brinquedos que estavam escondidos nos cantos dos armários e que eles não brincavam faz tempo.

Jogos como Cara a Cara, Lince e Twister são desenterrados e voltam a conhecer a luz do dia.

Passaram MAIS DE UMA HORA entretidos numa brincadeira onde eram policiais investigando um crime (não souberam me explicar qual era o crime, mas me garantiram de que a investigação estava indo bem). Nem mencionaram as telas.

Dia 4: 

Consigo identificar um novo tipo de companheirismo entre eles. Parecem mais gentis e amigáveis. Brigam menos. A casa parece mais calma e civilizada.

Tento me lembrar da pesquisa que li a respeito do assunto. As telas deixam as crianças mais agressivas? Menos criativas? Passivas e vegetantes olhando para o nada. Era isso mesmo?

No fundo eu sei que sim. Mas secretamente espero que não.

Dia 5:

É quase como se as telas nunca tivessem existido. Continuam na brincadeira de investigação (curtiram a ideia de policial)

Fizemos o brownie e eles nem brigaram para lamber a forma. As meninas brincam de casinha, médica e cientistas.

O único que ainda sofre  de abstinência é meu filho de dez anos, que precisa desesperadamente ouvir suas músicas (Legião Urbana, Raul Seixas e Engenheiros do Havaí. Não me pergunte como, desconfio de que estou criando um adolescente revoltado dos anos 90.) Ele também quer continuar mantendo a família e a linda moradia que construiu no The Sims.

Dia 6:

Minha filha de três anos encontra o tablet escondido e todas as memórias voltam, uma a uma. Imagino que ela tenha lembrado de si mesma de banho tomado e pijama assistindo a Masha e o Urso depois de um dia cheio. Ela chora.

Pede pelo desenho.

Quero dar – porque sou dessas. Quero dizer:  “parabéns, meu amor, você aguentou muito bem, pode assistir um pouco de netflix.”

Mas o marido segura as pontas. Diz que não. Vamos distrair ela um pouco.

Levo-a dar uma volta de carro e comprar um picolé. Vemos carros, cachorros e gente. É uma distração excelente.

Voltamos para casa mais calmas.

Mas durante vários períodos do dia lembra do tablet e pede por ele. De vez em quando até chora.

Dia 7:

Cansei. Estou exausta. Preciso retornar uma ligação, responder vários emails e terminar o meu trabalho. Libero um pouco de filme depois do banho.

Conclusão:

Crianças vivem mais do que bem sem telas. A pessoa que mais sofreu com a semana sem telas, fui eu.

1

Querido plano de ser fitness,

Como vai você?

Por aqui tudo ótimo. Indo, vivendo, e postergando a sua chegada a cada dia como sempre. Ainda mais agora na quarentena.

Não me leve a mal, te admiro pacas, sei que você faz maravilhas com as pessoas. Deixa elas mais felizes, satisfeitas, saudáveis. Aumenta o amor próprio, a endorfina, a adrenalina.

Mas olha, sinceramente, é muito difícil colocar você em prática.

Por que? Porque tem horas que só um doce salva. No meu caso especificamente, um chocolate. É inegável que me deixa mais calma, mais alegre, mais paciente. O mundo se torna um lugar melhor e eu, uma mãe melhor.

Mas, em respeito a você, Plano Fitness, desde que fiz trinta anos e percebi que não dá pra ser irresponsável pra sempre – porque açúcar faz mal, aumenta o colesterol, diabetes, tira nossa energia, etc – eu vinha tentando deixar para comer doce só quando a situação estivesse mais caótica, sabe? Quando fosse imprescindível MESMO. De repente numa TPM forte, ou naqueles dias em que as crianças estão atacadas.

Mas preciso confessar que estou com a impressão de que, na vida adulta, o doce é imprescindível TODO SANTO DIA. Porque doce é tipo colo de mãe. E me diga, honestamente, quem não precisa de um aconchegante colinho maternal no fim do dia??

Veja bem:

Dia puxado no trabalho? Brigou com namorado/marido? Chocolate.

Crianças estão discutindo há horas e você já não sabe mais o que fazer? Que tal um pedaço de pavê?

O mundo entrou em colapso e está se despedaçando por causa de uma pandemia que parece se agravar a cada dia e nem a ONU sabe mais o que fazer?

CHOCOLATE, CHOCOLATE, CHOCOLATE.

Juro que vai ajudar.

E nem me venha com a história: “Ah, você pode substituir o chocolate ao leite clássico por linhaça pelo meio amargo”

Sejamos honestos: Isso dá certo para alguém? É que nem dizer que você pode substituir um lindo dia de sol na praia, com agua cristalina e cel azulzinho, por um dia frio com trovoadas na praia. Praia é sempre legal, claro. Mas, dependendo do clima, são duas experiências completamente diferentes.

Entende o que quero dizer? Sem condições. O chocolate amargo ajuda? Quebra um galho. Mas não me diga que um chocolate 80% cacau é a mesma coisa que uma panela morninha de brigadeiro.

Aliás, durante  a quarentena, poucas coisas são mais aconchegantes e terapêuticas do que comer algo bem quentinho, recém saído do forno.

Porque o que a gente faz o dia todo em casa, além de tentar manter algum resquício de rotina e gritar com as crianças para tentar manter a paz no lar (sei que parece contraditório, você ter de gritar para conseguir a paz. De certa forma é, mas quem está pensando em ser coerente num momento como esses né?).

Enfim, segue algumas ideias de coisas que a gente pode fazer e, com certeza, resultará num lar mais feliz e harmonioso:

Biscoitinhos amanteigados (com canela, se preferir)

Brigadeiros enroladinhos com confetes coloridos.

Bolo de cenoura com calda de chocolate.

E quando as crianças estão naquela brigalhada sem fim, que sempre acontece em algum momento da semana  – afinal, compreensível, sem amigos, sem escola, na companhia do outro o dia inteiro – e você já tá com vontade de chorar, qual é o melhor caminho?

Comer bis (ou similares) na cama, todo mundo junto. Intercalando um preto e um branco, e jogar conversa fora.

Então, plano fitness, como eu disse. Te admiro pacas. Mas vai ficar para a próxima.

Quem sabe depois da pandemia eu não me animo?

____________________________________________________________

*** estão me chamando de velha por utilizar o termo PACAS. Pode isso, produção?

1

Maquiagem pra que te quero?

Estou sentada no computador terminando um texto, quando minha filha de três anos aparece e diz que quer me maquiar.

Olha, não é por mal, mas ser maquiada por ela não é das minhas atividades favoritas, sabe? Prefiro brincar de massinha, de lego, de uno… de stop, de desenho… De qualquer coisa. Mas ela simplesmente ama e está decidida.

Então vamos lá né? Tantos dias confinados de quarentena, não dá pra se esquivar da maquiagem pra sempre.

Tento convencê-la a maquiar a si mesma. Sento com ela, pego o celular e mostro uns videos de pessoas se maquiando.

EU: Viu filha? Você pode se maquiar, em vez de maquiar a mamãe, você vai ficar linda!

Ao que ela me responde:

Que bom!!

E claramente eu não sou né? Isso que ela quis dizer. Mas tudo bem.

Pelo menos em matéria de auto estima estamos indo indiscutivelmente bem!

Ela sai correndo em direção ao banheiro, e pelo som sei que ela está abrindo a maquiagenzinha dela (que deve ter uns dois anos, tá velha e provavelmente não faz nada bem para minha pele, que ora decide ter 15 anos e enche de espinha, ora decide que já deu dessa vida e resseca um monte mas vamos ignorar o fato né?) e organizando tudo na pia.

Eu sigo no computador trabalhando, rezando para ela se distrair com alguma coisa no caminho, afinal, crianças de três anos são muito dispersas sabe? Você manda ir fazer xixi ela faz tudo, menos xixi. Você manda pôr sapato pra sair, ela esquece o que foi fazer e volta com um trenzinho de lego.

Mas nesse dia, é óbvio que ela não se distrai. Na verdade está super empolgada.

ELA: Mãe, tudo pronto! Vem!

Então eu vou, né. E a maquiagem rola solta.

E então, depois de ela passar batom pela minha testa, enfiar sombra na minha orelha e pintar meu cabelo com lápis de olho, eu fico mais ou menos assim:

Viva a quarentena!